As artes frequentemente são idealizadas como fruto de pura inspiração, sem respaldo técnico, como se isso as tornasse necessariamente mais nobres. A literatura não foge à regra, mas deveria
Quando se fala sobre técnicas para escrita, a primeira reação de escritores não familiarizados com o conceito é achar que a utilização de tais técnicas vai “engessar seu trabalho”, “podar sua criatividade” e “tirar a naturalidade de sua arte”, entre outras reclamações.
Ora, existe uma palavra em português definir as pessoas que criam arte de maneira instintiva, sem ter uma formação específica na área, aprendendo no próprio trabalho e com outros do mesmo ramo: artesão. A maioria dos escritores nacionais são artesãos. Não vamos entrar no mérito de “qualidade” aqui, até porque a palavra tem tantas conotações que a discussão extrapolaria o espaço deste artigo.
O que diferencia o “artista” do “artesão” é a sua formação acadêmica ou sistemática. Um artista plástico, por exemplo, investe anos estudando a figura humana, luz e sombra, perspectiva, texturas, história da arte... Tendo técnicas e instintos à sua disposição, o artista simples-mente tem mais instrumentos para expressar sua arte. Da mesma forma, um ator tem à sua disposição cursos técnicos e acadêmicos de Artes Cênicas para aperfeiçoar seu talento; um músico tem escolas e cursos superiores de Música, e assim o é na maioria das Grandes Artes.
O que diferencia a Literatura das demais artes? Na verdade, nada, este preconceito contra a formação técnica do escritor é algo tipicamente nacional.
Cenário diferente acontece na Inglaterra e nos Estados Unidos, apenas para mencionar duas das maiores origens dos livros traduzidos para português. Lá, os princípios básicos da estrutura de um texto começaram a ser aprofundados logo após a Segunda Guerra Mundial, e hoje são apresentados nas escolas e aprofundados nas Universidades. Obviamente, poucos se tornam escritores, mas conceitos como cena, estrutura narrativa, ponto de vista e criação de personagens são lugar comum no mundo anglo-saxão.
É por isso que o autor brasileiro acha tão difícil entrar naquele mercado: basta cometer um deslize no ponto de vista de uma cena, o que é muitíssimo comum por aqui, para os agentes literários e editores daqueles mercados tomarem isso por uma grande falta de qualidade: “Ora, se até uma criança sabe que não se deve mudar o ponto de vista desta forma, como este autor espera ser profissional, cometendo este erro básico?”.
E mesmo os escritores que não têm pretensões de publicar no mercado internacional precisam se preocupar com isso, pois os editores brasileiros estão cada vez mais exigentes: “Afinal, se posso comprar um produto mais bem burilado, com mais chance de sucesso, porque compraria um de segunda categoria?”.
O que parece ser um detalhe sutil para nós salta aos olhos de quem conhece técnicas profissionais de escrita; da mesma forma que um erro de perspectiva, comum na arte naïf, isto é, aquela que é feita sem preparação acadêmica, salta aos olhos em um quadro que pretende ser de um artista profissional.
E como o escritor nacional pode se profissionalizar?
Normalmente o autor brasileiro apreende técnicas de escrita, consciente ou inconscientemente, lendo livros, “deduzindo” estas técnicas. Vários escritores se aventuraram a fazer cursos fora do país e trouxeram as já famosas Oficinas de Escrita Criativa, como o precursor Raimundo Carrero, Sônia Belloto, da Fábrica de Textos, e Oswaldo Pullen, da Escrita Criativa, apenas para mencionar alguns. Em alguns estados vemos movimentos que buscam criar cursos acadêmicos focados na formação de escritores, que aos poucos vão se firmando.
Mas ainda temos um longo caminho a percorrer.
O primeiro passo é simples e claro: abandonar de lado o preconceito de que melhorar a técnica atrapalha, de alguma forma, a arte de escrever. Trabalhando de maneira organizada os resultados saem mais rápido e com melhor qualidade - que é o que se espera de um profissional, em qualquer área.
Portanto, o conselho vale para todos escritores: se você quer escrever profissionalmente, trabalhe como um profissional.
Por Alexandre Lobão - Escritor e roteirista da Casa de Autores. http://www.alexandrelobao.com – www.casadeautores.org.br
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