Sobre a crítica literária para iniciantes...
Um artigo publicado em 2007
na revista Entre Livros dizia (de maneira um pouco diferente) o seguinte:
Se você quer “malhar” um
livro e não sabe como, não se preocupe, recorra a adjetivos abstratos e por
isso mesmo úteis. A timidez, por exemplo. Argumente que o autor não explora
suficientemente os conflitos da obra.
Existem também alternativas
como: excesso de objetividade, de subjetivismo, de frieza, de dramaticidade. A
categoria das “ideias fora de lugar”, deslocada de seu contexto original,
também ajuda: um romance com personagens redondos e arco narrativo completo pode
ser atacado por seguir um modelo burguês de contar histórias, incompatível com
o nosso século; um romance sem essas características pode ser descartado,
justamente, pela incapacidade de prender o leitor.
Por
outro lado, caso queira elogiar um livro que acha ruim, há dois recursos
clássicos:
1 - Em relação à prosa
desagradável ou à trama incompreensível, diga que ambas simbolizam o incômodo e
a irredutibilidade de sentidos do mundo contemporâneo.
2 - Em relação à estrutura
caótica e fragmentária quando não se entende o que é início, o que é fim e do
que é mesmo que estamos falando, afirme que ela reproduz, como metáfora de
forma – que, sabemos, é necessariamente conteúdo –, o caos fragmentário da
sociedade pós-industrial.
Mas
se, por um desses acasos raros, você está decidido a dizer o que realmente pensa,
há também dois caminhos a seguir:
1 - Confiar nos seus juízos
pessoais, não temendo a exposição de preconceitos em público. Assim você terá
mais chances de ser considerado ranheta, rancoroso e/ou pervertido.
2 - O segundo
caminho é se alçar a porta-voz de um “sistema”, para o qual são válidas mesmo
obras que não são do seu agrado – por questões sociológicas, morais ou de “voz”
(raça, credo, gênero). Mesmo que os motivos sejam nobres – sua humildade em não
se considerar juiz definitivo do que é certo ou errado em estética e cultura –,
há boas probabilidades de você ser visto como um crítico sem alma, sem coragem,
sem caráter.
Independentemente da
escolha, a reação geral é inevitável. Dirão que seu desejo secreto era ser
ficcionista ou poeta. Dirão que você é leviano demais, complacente demais, que
tem algum interesse obscuro – ascender na carreira, agradar aos pares da
academia, fazer sexo (sem amor) – ou está a soldo de alguma entidade
conspiratória – grupos literários rivais, maçons, seitas, partidos políticos de
direita (se você receber salário da mídia golpista) ou esquerda (se escrever
numa publicação financiada pela Petrobras).
Em
resumo: você será odiado. Pelos autores que você desanca. Pelos autores que
você ignora. Pelos autores que você elogia pelos motivos sempre errados. Pelos
editores, tradutores, assessores de imprensa e outros críticos. Será odiado
também pela maior parte do público, mesmo os que o leem com frequência.
Mas se, apesar de tudo, você insiste em
abraçar a profissão, é bom se perguntar o motivo. Você se sente preparado para
exercê-la de modo tão desanimador? Se a resposta for sim, ótima notícia. Não só
para você, que ao menos achou um jeito honesto de ganhar a vida, mas para o
meio literário. Porque não há nada de que ele necessite mais, hoje e em
qualquer tempo: alguém que o ajude a enxergar, avaliar, selecionar.
Diferentemente do que se diz, um crítico autêntico não é apenas o advogado do
público. Ele é, em última instância, o maior defensor da própria literatura.