quarta-feira, 17 de julho de 2013

A difícil Arte de Criticar


Sobre a crítica literária para iniciantes...

Um artigo publicado em 2007 na revista Entre Livros dizia (de maneira um pouco diferente) o seguinte:
Se você quer “malhar” um livro e não sabe como, não se preocupe, recorra a adjetivos abstratos e por isso mesmo úteis. A timidez, por exemplo. Argumente que o autor não explora suficientemente os conflitos da obra.
Existem também alternativas como: excesso de objetividade, de subjetivismo, de frieza, de dramaticidade. A categoria das “ideias fora de lugar”, deslocada de seu contexto original, também ajuda: um romance com personagens redondos e arco narrativo completo pode ser atacado por seguir um modelo burguês de contar histórias, incompatível com o nosso século; um romance sem essas características pode ser descartado, justamente, pela incapacidade de prender o leitor.
Por outro lado, caso queira elogiar um livro que acha ruim, há dois recursos clássicos:
1 - Em relação à prosa desagradável ou à trama incompreensível, diga que ambas simbolizam o incômodo e a irredutibilidade de sentidos do mundo contemporâneo.
2 - Em relação à estrutura caótica e fragmentária quando não se entende o que é início, o que é fim e do que é mesmo que estamos falando, afirme que ela reproduz, como metáfora de forma – que, sabemos, é necessariamente conteúdo –, o caos fragmentário da sociedade pós-industrial.
Mas se, por um desses acasos raros, você está decidido a dizer o que realmente pensa, há também dois caminhos a seguir:
1 - Confiar nos seus juízos pessoais, não temendo a exposição de preconceitos em público. Assim você terá mais chances de ser considerado ranheta, rancoroso e/ou pervertido.
2 - O segundo caminho é se alçar a porta-voz de um “sistema”, para o qual são válidas mesmo obras que não são do seu agrado – por questões sociológicas, morais ou de “voz” (raça, credo, gênero). Mesmo que os motivos sejam nobres – sua humildade em não se considerar juiz definitivo do que é certo ou errado em estética e cultura –, há boas probabilidades de você ser visto como um crítico sem alma, sem coragem, sem caráter.

Independentemente da escolha, a reação geral é inevitável. Dirão que seu desejo secreto era ser ficcionista ou poeta. Dirão que você é leviano demais, complacente demais, que tem algum interesse obscuro – ascender na carreira, agradar aos pares da academia, fazer sexo (sem amor) – ou está a soldo de alguma entidade conspiratória – grupos literários rivais, maçons, seitas, partidos políticos de direita (se você receber salário da mídia golpista) ou esquerda (se escrever numa publicação financiada pela Petrobras).
Em resumo: você será odiado. Pelos autores que você desanca. Pelos autores que você ignora. Pelos autores que você elogia pelos motivos sempre errados. Pelos editores, tradutores, assessores de imprensa e outros críticos. Será odiado também pela maior parte do público, mesmo os que o leem com frequência.
 Mas se, apesar de tudo, você insiste em abraçar a profissão, é bom se perguntar o motivo. Você se sente preparado para exercê-la de modo tão desanimador? Se a resposta for sim, ótima notícia. Não só para você, que ao menos achou um jeito honesto de ganhar a vida, mas para o meio literário. Porque não há nada de que ele necessite mais, hoje e em qualquer tempo: alguém que o ajude a enxergar, avaliar, selecionar. Diferentemente do que se diz, um crítico autêntico não é apenas o advogado do público. Ele é, em última instância, o maior defensor da própria literatura.

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