segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Primeira mãe de santo escritora do país, Mãe Stella é homenageada na Bahia


Aos 89 anos, a Ialorixá do Ilê Axé Opô Afonjá Mãe Stella de Oxóssi foi a escritora homenageada da IV Festa Literária Internacional de Cachoeira, a Flica, no Recôncavo Baiano, evento que segue os moldes da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) e que já reúne mais de 20 mil pessoas por edição. Em tempos de intolerância religiosa crescente, onde terreiros de candomblé vêm sendo destruídos sistematicamente pelo país, a primeira mãe de santo a escrever e publicar livros no Brasil foi ovacionada pela plateia do evento que se encerra hoje, que curiosamente é realizado no interior de um convento — e que teve participantes como o escritor português Gonçalo M Tavares, o angolano Ondjaaki, o romeno Matei Visniec, o lituano Leonidas Donskins, o carioca Paulo Lins, Stella Caymmi, entre outros.

Enfermeira de formação, escritora, colunista do jornal A Tarde e ocupante da cadeira de número 33 da Academia de Letras da Bahia (foi eleita no ano passado), a mesma de Castro Alves, aliás, Mãe Stella é uma liderança religiosa inconteste na Bahia, elogiada por escritores como Antonio Olinto, Jorge Amado e João Ubaldo Ribeiro. Depois de atender centenas de fiéis num ônibus literário criado por ela, uma espécie de biblioteca móvel, e sob a forte chuva que caiu na cidadezinha na tarde de sábado, Mãe Stella falou para mais de 500 pessoas que se apertaram na "tenda" improvisada no claustro do Convento do Carmo sobre a experiência de ser uma "imortal".

— Eu fiquei com medo dos acadêmicos, claro, será que eu corresponderia às expectativas deles? O que eu faria no meio dos imortais? Mas está dando tudo certo e estou gostando muito da experiência — comentou Mãe Stella, emocionada com o assédio caloroso do público e sempre acompanhada de um griô senegalês, que levava um atabaque para anunciar com toques sua entrada e falas. — Para cada pavor, um agradecimento. Oxóssi não chega, ele está comigo o tempo todo, quando eu escrevo também. E se a turma gostou dos meus livros, é porque prestam. O que eu quero é estar bem para andar no meu ônibus levando conhecimento até o fim dos meus dias. Até quem não sabe escrever deve escrever livros. É só ditar uma história. Até as crianças. É de pequeno que se ensinam as coisas.

Autora de seis livros, entre eles "E aí aconteceu o encanto", "Meu tempo é agora" e "Opinião", uma coletânea das suas crônicas publicadas no jornal A Tarde, Mãe Stella comentou a escalada de preconceito contra adeptos de religiões afro-brasileiras ("na escola que criamos no Ilê Axé Opô Afonjá, há muitos filhos de evangélicos"); e contra nordestinos, manifestações que se espalharam nas redes sociais depois da eleição da presidente Dilma Rousseff. Mas, a seu modo, fez duras críticas com muito humor.

— Sabe quando uma pessoa delira quando está doente? Pois então. Há pessoas doentes de alma, que estão delirando. Ou doentes, mesmo. Deve ter sido um mocotó mal-comido, e aí entrou esse delírio na cabeça das pessoas, essa coisa de preconceito contra nordestinos. A parte mais sofisticada que Deus criou foi o ser humano. Eu gostaria de pedir que as pessoas não pensem apenas nas grandes ações, mas sobretudo nas boas ações.


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