Na semana
em que o mundo recebe boquiaberto a notícia da retomada das relações entre Cuba
e Estados Unidos, depois de 53 anos, soa ainda mais curioso lembrar que um dia,
quando nem sequer imaginava embrenhar-se na Sierra Maestra, Fidel Castro
escreveu uma carta a um presidente americano pedindo uma nota de dez dólares.
No dia 6 de novembro de 1940, quando contava viçosos 14 anos (e portanto 13
anos antes de liderar a Revolução Cubana), o rapazola Fidel mandou uma cartinha
a Franklin Delano Roosevelt com o curioso pedido. Dizia ele, numa elegante
caligrafia tombada à direita: “Meu bom amigo Roosevelt: não sei muito inglês,
mas sei o bastante para escrever ao senhor. Eu gosto de ouvir rádio e estou
muito contente, porque escutei que o senhor vai ser presidente por um novo
período. Se for do seu agrado, mande-me uma nota verde americana de dez
dólares, porque eu nunca vi uma nota verde americana e gostaria muito de ter
uma. Muito obrigado, adeus, seu amigo, Fidel Castro”.
Encontrado em 1977 por
pesquisadores do National Archives and Records Administration, o equivalente
nos EUA ao nosso Arquivo Nacional, e citado em “Fidel Castro, uma biografia
consentida” (2001), de Claudia Furiati, o documento é uma das centenas de cartas
extraordinárias que o pesquisador americano Shaun Usher reúne desde 2009,
quando fundou o “Letters of note”, uma espécie de museu on-line. O projeto fez
tanto sucesso na internet (1,5 milhão de visitas por mês) que virou um livro
homônimo, cuja edição brasileira acaba de chegar às livrarias com o título
“Cartas extraordinárias: a correspondência inesquecível de pessoas notáveis”,
pela Companhia das Letras. Nessa edição, tão caprichada quanto as maiúsculas de
Fidel, Shaun seleciona as 125 que considera mais fascinantes. As que conseguiu
autorização, publica em fac-símile, com um texto de introdução espirituoso para
cada exemplo. O autor defende o valor histórico dos documentos: “Todas vão
transportá-lo através do tempo com muito mais eficiência que o livro de
história comum. Não imagino melhor maneira de conhecer o passado do que a
correspondência geralmente sincera de quem viveu nele”, escreve.
Há cartas de anônimos,
de personalidades históricas, de celebridades do showbiz, de personagens de
desenho animado. Há cartas desconcertantes, como um bilhete de 1888 cheio de
erros de ortografia enviado por Jack, o Estripador, ao delegado que tentava
capturá-lo em Londres, dizendo que tinha acabado de fritar metade de um rim (e
a outra metade ia numa caixinha junto à carta). Estão lá ainda o telegrama em
que a empresa dona do Titanic afirma que não há risco de morte na viagem do
navio, em 1912, e a carta a ser lida em rede nacional em 1969 caso o homem não
voltasse da Lua.
É quase um romance
epistolar involuntário. Na carta em que o gerente de produto das sopas Campbell
agradece a “preferência” do artista plástico Andy Warhol pela marca, ele
lamenta não ter dinheiro suficiente para comprar uma das obras do artista. Em
1996, o músico Nick Cave implorou que a MTV o retirasse de quaisquer listas de
indicados a premiações, e o texto que escreveu para o canal é tão poeticamente
turrão que também foi pinçado por Shaun: “Minha musa não é um cavalo e eu não
estou em nenhum páreo”. Entre as mais curiosas, há uma do músico Louis Armstrong
a um fã seu, um soldado americano que servia no Vietnã, contando como ouvia
música em lugares menos distintos do que a guerra. Conta Armstrong, sem
qualquer cerimônia, que um dos lugares preferidos para o deleite sonoro era o
banheiro, “sentado no trono, sob efeito do ‘Swiss Kriss’” (uma marca de
laxante).
Nenhum comentário:
Postar um comentário