Escritora
que mais vendeu no Brasil no ano passado vem ao país pela primeira vez
“O que aconteceu com a
minha vida?” Essa é a pergunta que a escritora britânica Jojo Moyes se faz
todos os dias ao acordar, desde que seu romance “Como eu era antes de você”
(Intrínseca), de 2012, se tornou um best-seller mundial e foi adaptado para o
cinema. Apesar de ter sido lançado no Brasil em 2014, o livro virou uma febre
no país apenas no ano passado, na esteira do filme protagonizado por Sam
Claflin e Emilia Clarke. Foram 352.330 exemplares vendidos — mais que o dobro
de “Harry Potter e a criança amaldiçoada” (Rocco) —, garantindo o posto de
campeão de vendas em 2016. “Depois de você” (Intrínseca), a continuação de
“Como eu era...”, ficou em terceiro lugar, e Jojo foi a autora mais vendida no
ano. Seus 11 livros publicados no país somam mais de 2 milhões de exemplares
vendidos.
A autora repetiu
mentalmente a mesma pergunta ao acordar, ontem, na suíte de um hotel cinco
estrelas na Zona Sul. A vista da Praia de Ipanema nas primeiras horas da manhã
deixou Jojo embasbacada e ela não conseguiu dormir mais. Na sua primeira visita
à América do Sul, para dois encontros com fãs promovidos por sua editora no Rio
e em São Paulo, a escritora, de 47 anos e mãe de três filhos, ainda se
surpreende com a vida de autora popstar.
— Nas redações da
imprensa inglesa, costuma-se dizer: seja legal com todo mundo quando você está
subindo, porque você não sabe quem vai encontrar quando estiver descendo. É
como eu me sinto em relação à vida — diz Jojo, que trabalhou durante dez anos
como jornalista antes de se dedicar exclusivamente aos romances, em entrevista
ao GLOBO, na tarde de ontem, na suíte onde está hospedada. — Esta é uma vida
muito legal, as pessoas são muito legais com você. Mas, quando você é mais
velho, sabe que teve muitas experiências antes de chegar ali e que isso pode
acabar no dia seguinte.
SUCESSO TARDIO
A fala realista da
autora não é à toa. O sucesso chegou na sua vida quando ela já não o esperava
mais. Após oito livros lançados, seu editor não gostou da ideia para “Como eu
era antes de você”: uma ex-garçonete consegue um emprego de cuidadora de um
homem rico, inteligente e bonito que ficou tetraplégico após um acidente de
moto, os dois se apaixonam, mas o mocinho não suporta a sua condição e decide
pôr fim à própria vida por meio da eutanásia. A trama não tem um final feliz e
aborda um assunto tabu em todo o Ocidente. Quem encorajou Jojo a seguir em
frente foi seu marido, com uma frase exemplar do humor negro britânico: “Esse
será o livro que finalmente vai acabar com a sua carreira”. Não só não acabou
com a carreira dela como deu origem a duas continuações. Após “Depois de você”,
Jojo está terminando de escrever o terceiro e último volume protagonizado pela
ex-garçonete Louisa Clark.
— Eu não esperava ter
nenhum leitor para “Como eu era antes de você”. Eu consigo entender por que meu
editor não gostou muito da minha ideia. Eu não sabia se o livro seria
publicado. Meu marido me encorajou a escrever o livro e depois pensar nisso. Eu
falei que isso significava ficar um ano trabalhando sem ganhar nada. Ele
respondeu que a decisão era minha. Eu escrevi “Como eu era antes de você” com a
certeza de que, se ninguém quisesse publicar, eu ia colocá-lo na internet. Era
uma história que eu precisava contar — diz Jojo.
A autora afirma ter
ficado muito surpresa com a repercussão do livro no Brasil. Por ser um país
bastante religioso, um romance que aborda a eutanásia poderia afugentar
potenciais leitores. Mas não foi isso que aconteceu. Jojo afirma que foi muito
cuidadosa ao escrever a história e arrisca uma explicação para tamanho sucesso:
— Eu nunca achei que o
livro fosse se tornar popular num país como o Brasil. A primeira coisa que meu
pai me disse quando escrevi o livro foi: “Você vai arrumar problemas”. Eu fui
muito cuidadosa na escrita, busquei olhar a situação por todos os ângulos. Eu
estava interessada em pensar sobre quem vive uma situação desse tipo, se você é
alguém que decide colocar fim na própria vida pela eutanásia ou ama alguém que
toma essa decisão. O que acontece com as pessoas que vivem uma situação dessas?
Não se trata de certo ou errado.
HERANÇA JORNALÍSTICA
Jojo acredita que
herdou do jornalismo esse interesse pelas experiências extraordinárias das
pessoas comuns. A maioria de suas protagonistas são mulheres da classe
trabalhadora. Cuidadoras, faxineiras, garçonetes, que, em geral, aparecem na
literatura apenas como vítimas de assassinatos ou obcecadas por bolsas de
marca, segundo ela. A autora conta que se identifica com as suas personagens.
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— É muito importante
para mim contar essas histórias porque eu fui essa mulher. Hoje não mais, mas
eu já fui como elas — lembra Jojo. — Se você escreve ficção nos tempos atuais e
ignora o fato de que, para muitas pessoas, ganhar dinheiro suficiente para
viver é uma preocupação diária, então não acho que você esteja refletindo a
vida. Eu tento narrar a vida comum, mas ao mesmo tempo introduzir alguns
elementos dos contos de fada, da magia, do extraordinário. É nisso que eu estou
interessada.
Bastante ativa nas
redes sociais, não é difícil encontrar publicações da autora sobre temas
quentes da política atual, como as eleições na França, anteontem, a disputa
partidária inglesa e a saída do Reino Unido da União Europeia. Jojo recusa o
rótulo de autora de “histórias de amor” e afirma que a política está sempre
presente. A cada vez que começa a escrever um romance, ela pensa que tipo de
mensagem aquela história vai passar:
— O pessoal é político.
Se escrevo um livro de não ficção sobre como os ricos estão ficando mais ricos
e os pobres, mais pobres, quem vai ler? E se eu escrevo um livro sobre uma
mulher com um filho talentoso que merece uma chance melhor na vida, e um homem
que teve todas as oportunidades, mas não conseguia ver isso? O que acontece
quando essas duas visões de mundo se encontram? — questiona, referindo-se à
trama de “Um mais um” (Intrínseca). — Na Europa, há uma enorme falta de empatia
com a posição do outro. A ficção tem o papel de promover a empatia. Eu não
consigo imaginar como ser um autor e não tocar na política.
Fonte: O Globo
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