Com
tantos livros para ler e tão pouco tempo para eles, é natural que cedo ou tarde
entremos em pânico. Todo leitor enfrenta essa dura revelação em algum momento
de sua vida. A lista de obras que queremos ler é imensa, nossa estadia nesta
adorável biblioteca é finita e, infelizmente, jamais conseguiremos ler tudo.
Alguns encaram a descoberta com resignação e começam a escolher melhor os
livros que leem. Outros passam a dedicar ainda mais tempo à literatura, na
tentativa de reduzir suas perdas. E há os que se negam a aceitar seu destino.
Decidem trapacear. Se fossem cavaleiros medievais, desafiariam a morte para uma
partida de xadrez. Como são leitores, entregam-se à leitura dinâmica.
Já
sucumbi várias vezes a essa tentação. Depois de cada uma delas, me arrependi e
voltei à minha velocidade normal de leitura. Numa das tentativas, comprei um
livro intitulado Leitura dinâmica e memorização.
Não terminei de lê-lo e não lembro de nenhuma das dicas. Já tentei assistir a
aulas de leitura dinâmica no YouTube, mas percebi que seria mais produtivo sair
do computador e usar esse tempo para ler. Num ato de desespero, peguei
emprestado um CD com um curso de leitura dinâmica baseado em técnicas nebulosas
de programação neurolinguística. Desisti quando o locutor disse “feche os olhos
e visualize seus objetivos sendo alcançados”. Mantive os olhos abertos, fui até
a estante e busquei um livro para “visualizar”. Continuo lendo com a mesma
velocidade desde então.
A
melhor frase que li sobre o assunto é de Woody Allen. ”Fiz curso de leitura
dinâmica e li Guerra e paz em 20 minutos. É sobre a Rússia."
Poucas vezes uma hipérbole foi tão verdadeira. É, sim, possível aprender a ler
mais rápido. Mas há limites. Os resultados positivos costumam ser frutos de uma
escolha entre velocidade e perda de compreensão. Alguns leitores podem achar
que a troca vale a pena. Outros podem preferir ler menos, mas melhor. Para ajudar
nessa decisão, fiz uma lista com minhas sete dicas favoritas (e infalíveis)
para ler mais rápido – e seus sete desagradáveis efeitos colaterais.
1) Leia um livro por
vez
Quanto mais caóticos forem nossos hábitos de leitura, mais custosa será nossa
tarefa de lembrar dos detalhes de um livro e retomá-lo do ponto em que paramos.
Não é raro que tenhamos de ler duas ou três vezes a mesma página até
reencontrarmos o fio da história. Quando intercalamos dois ou mais livros
diferentes, a confusão mental é ainda maior. Assim perdemos vários minutos de
leitura que poderiam ter um destino mais nobre. Estabelecer uma rotina de
leitura disciplinada e mergulhar em apenas um livro por vez é uma boa maneira
de evitar esses lapsos e acelerar a leitura. Se você sentir uma vontade
incontrolável de abrir outro livro antes de terminar o que está lendo,
contenha-se. Force-se a ler apenas um livro por vez. Afinal, você quer ser
rápido ou quer se divertir?
2)
Nunca releia
A memória de um leitor é traiçoeira. Incontáveis vezes, entre uma página e
outra, somos acometidos por dúvidas básicas sobre trechos que acabamos de ler.
Por que Brás Cubas abandonou sua segunda namorada? Qual foi a primeira frase do
príncipe Míchkin para Aglaia Epantchiná? Esse Aureliano Buendía é filho de quem
mesmo? A única solução para questões desse tipo é retroceder na leitura e
buscar as respostas em capítulos já vencidos. Quem sucumbe a essas tentações,
porém, jamais será um verdadeiro praticante da leitura dinâmica. A ordem é
avançar a qualquer preço. A mão que vira as páginas deve se movimentar sempre
da direita para a esquerda, sem nunca percorrer o caminho contrário. Talvez o
autor esclareça sua dúvida num capítulo seguinte. Talvez você tenha de buscar a
resposta na Wikipédia, ou consultar um leitor menos disciplinado. Talvez você
nunca tenha a resposta. Não importa. É melhor ganhar uma dúvida para a vida
inteira do que perder alguns minutos de leitura.
3)
Pesquise antes de ler
Quanto menos surpreendente for a leitura, menos tempo você terá de gastar com ela.
Os segundos que desperdiçamos quando uma frase nos emociona ou quando ficamos
chocados com uma virada no enredo são preciosos. Evite surpresas. Leia o
índice, leia resenhas, consulte resumos, convença um amigo a estragar o final.
Quando souber tudo sobre o livro, a leitura se tornará uma formalidade rápida e
quase indolor. Livre-se dela como uma enfermeira arranca um esparadrapo. Você
perderá a alegria de ser surpreendido por um grande livro, mas lerá muito mais
livros do que seus amigos.
4)
Segure sua língua
A maioria dos leitores tem o hábito de pronunciar, sem emitir sons, cada
palavra que lê. Para os defensores da leitura dinâmica, poucos barulhos são tão
incômodos quanto esse monólogo mental silencioso. A fala é muito mais lenta do
que a visão. Se nos acostumarmos a ler sem subvocalizar cada palavra, leremos
muito mais rápido. Há técnicas para conseguir isso. A mais eficiente é ocupar
as cordas vocais durante a leitura. Há quem aconselhe o leitor a repetir a
mesma palavra inúmeras vezes, recitar o alfabeto ou até zunir para si mesmo –
tudo isso enquanto lê. O aumento na velocidade é instantâneo. O desconforto
também. Fica muito mais difícil apreciar a sonoridade das frases. E pense na
cara de desapontamento que o autor do livro faria se soubesse que sua grande
obra seria lida em meio a zumbidos e mantras desconexos.
5) Leia grupos de palavras
Depois de domar suas cordas vocais, você estará pronto para o Santo Graal da
leitura dinâmica. Em vez de ler uma palavra por vez, leia grupos de palavras.
Frases e até linhas inteiras. Aprendendo a criar, processar e digerir esses
blocos de informação, sua velocidade de leitura chegará ao ápice. Como nas
outras dicas, a rapidez tem seu preço. Sem tempo para se dedicar a cada palavra
individualmente, é impossível dar a atenção merecida às escolhas vocabulares do
autor. Palavras desconhecidas permanecerão desconhecidas para sempre:
retroceder para lê-las seria violar a regra do item 2 (Nunca releia). E nem
pense em pegar um dicionário: além de ser uma enorme perda de tempo, é uma
evidente violação da primeira regra (Leia um livro por vez). Um neologismo
curioso ou um vocábulo exótico não são justificativas para interromper o fluxo
da leitura. Siga em frente, em velocidade máxima.
6)
Exercite a leitura seletiva
Às vezes a velocidade máxima não é o bastante. A saída, então, é procurar um
atalho. Ou seja: atravessar trechos inteiros do livro sem lê-los. Está
aborrecido com um trecho descritivo de um romance? Comece o próximo parágrafo.
Não quer encarar um diálogo entre dois personagens que você odeia? Vire a
página. Já entendeu o que um autor de não-ficção queria dizer, mas ele insiste
em dar novos exemplos? Pule para o próximo capítulo. Se o tempo de leitura for
muito curto, pode ser necessário recorrer a métodos ainda mais radicais. Leia
as páginas ímpares e pule as pares. Leia só o índice, o começo e o final. Leia
apenas a primeira frase de cada parágrafo e a última de cada capítulo. Essa
última técnica é minha favorita. Recorri a ela com uma frequência vergonhosa. Quantos
trabalhos de faculdade não nasceram desse tipo de leitura? E quantos deles não
receberam boas notas, talvez porque o professor aplicava neles um método de
leitura dinâmica semelhante ao meu? Só o resultado imediato importa. Pouco
tempo depois, você se sentirá como se nunca tivesse lido o livro. Aliás,
falando nisso…
7)
Finja que leu
Se a leitura seletiva é comparável a uma conversão proibida na estrada, fingir
que já lemos um livro equivale ao teletransporte. Numa coluna anterior, já
disse que essa é a forma mais eficiente de leitura dinâmica. Para praticá-la de
forma satisfatória, basta seguir pela metade a dica 3 (Pesquise antes de ler).
Pesquise, mas não leia. Fale do livro com desenvoltura sem nunca ter folheado
suas páginas. A maioria dos devotos desse tipo de leitura prefere preservar
seus segredos, mas já fui apresentado a praticantes orgulhosos dessa técnica
sobrenatural. Para eles, ler um clássico é uma perda de tempo. Basta se
informar sobre o livro e, quando muito, ler as primeiras páginas para ter uma
vaga ideia de qual é o estilo do autor. Seguindo essas dicas, qualquer um pode
ler Guerra
e paz em poucos minutos – e descobrir que o
livro é, afinal, sobre a Rússia. A quase morte do príncipe Andrei e a
introdução de Pierre à maçonaria não os deixarão maravilhados ou boquiabertos.
Serão apenas verbetes soltos de enciclopédia, e não duas das mais belas cenas
da história da literatura. Pouco importa. A velocidade de leitura é
fundamental. O livro é só um detalhe.