Do
autor de Clube da Luta, Chuck Palahniuk, apresento: “Vísceras”, o conto que fez
67 pessoas desmaiarem.
Não
há muito que eu possa dizer sobre esta obra-prima da literatura sem entregar
sua trama e acabar estragando a surpresa, ou a experiência que é lê-la pela
primeira vez, aflito, sem saber qual a próxima coisa horrível que está prestes
a acontecer. E, sim, digo que é uma obra-prima exatamente por sua capacidade de
ter uma narrativa tão forte e impactante a ponto de fazer pessoas desmaiarem.
Quem conhece o autor sabe bem que seus escritos tendem a ser um pouco
perturbadores, e sua narrativa simples e dinâmica, quase sempre em primeira
pessoa, tem o poder de nos aproximar do personagem narrador de maneira
assustadora. E este conto é o maior exemplo disso.
Antes, deixo aqui o relato de Chuck sobre os desmaios durante as sessões de
leitura do conto, em 2005, que pode ser encontrado no site do jornal britânico
Telegraph.
“No
tour promocional do meu novo romance, li um conto chamado Vísceras pela
primeira vez em público. A ideia era incluí-lo em um outro livro que se
chamaria Assombro. Meu objetivo com a história era causar horror com coisas
bastante comuns: cenouras, velas e piscinas.
Eu
estava em uma livraria lotada em Portland, Oregon. Cerca de 800 pessoas foram o
suficiente para atingir a capacidade de lotação máxima do local. Ler Vísceras
requer um certo nível de concentração, e por isso você não tem muito tempo para
desviar os olhos do papel. Mas sempre que eu podia, o fazia e via algumas
pessoas nas fileiras da frente com uma cara não muito boa.
Mas
foi só quando eu acabei de autografar alguns livros que um funcionário se
aproximou e me disse que dois homens haviam desmaiado. Os dois despencaram no
chão de concreto e não tinham lembrança alguma além de estar em pé, ouvir a
leitura e acordar rodeados pelos pés das outras pessoas. A livraria estava
cheia e abafada, pensei. Foi apenas uma casualidade, nada preocupante.
Na
noite seguinte, em uma livraria com ar-condicionado em Borders, outra grande
plateia ouvia a leitura de Vísceras quando mais duas pessoas desmaiaram. Um
homem e uma mulher.
No
outro dia, em Seattle, mais duas pessoas foram ao chão exatamente na mesma
parte da história, derrubando suas cadeiras com um estrondo no piso de madeira
do auditório. A leitura teve que ser interrompida enquanto traziam os dois de
volta à consciência. Foi aí que percebemos que tínhamos um padrão.
Na
noite seguinte, em São Francisco, mais três pessoas desmaiaram.
Na
seguinte, em Berkeley, mais três. Um jornalista que esteve nas três leituras
disse que todas as pessoas caíram no momento em que eu li as palavras “milho e
amendoim”. Foi esse detalhe que fez as pessoas despencarem de suas cadeiras.
Primeiro, suas mãos tombavam para o lado e seus ombros cediam, fazendo a cabeça
pender para um lado. Depois, era o peso todo indo ao chão.
Na
livraria de Beverly Hills, em Los Angeles, uma mulher ao fundo do salão gritou
pedindo que chamassem paramédicos e uma ambulância, chorando tão
desesperadamente que sua blusa ficou encharcada, tendo que ser torcida por seu
marido, molhando o chão.
No
banheiro masculino, outro homem tentava fugir da história quando se
inclinou para lavar seu rosto com um pouco de água fria e desmaiou,
batendo sua cabeça contra a pia.
Um
repórter do Publishers Weekly escreveu um artigo com a manchete: “Autor de
Clube da Luta derruba-os com um soco.”
Na
Universidade de Columbia, no dia seguinte, dois estudantes desmaiaram. Enquanto
a ambulância os levava para o hospital, meu editor foi até a ponta do palco,
acenou para mim, e quando eu me aproximei, disse: “Acho que você já fez
bastante estrago com essa história. Não termine de lê-la.”
Na Grã-Bretanha, algumas pessoas desmaiaram nas leituras em Leeds e Cambridge.
Em Londres, os banheiros ficaram lotados de pessoas bem vestidas que escaparam
da história para deitar no chão frio e se recuperarem do que haviam escutado.
Até agora, 67 pessoas desmaiaram enquanto eu lia Vísceras. É um conto de nove
páginas, e na maioria das vezes, levo cerca de 30 minutos para lê-lo, porque na
primeira metade, preciso pausar para que a plateia possa rir, e na segunda,
para que ela possa ser reanimada.
Meu objetivo era criar um novo tipo de história de horror, baseada no
cotidiano, no mundo em que vivemos, sem monstros ou mágica. Vísceras, e o livro
que o traz, seriam o alçapão para um lugar sombrio. Um lugar para o qual só
você poderia ir, sozinho. Apenas livros têm este poder.
Um filme tem que seguir um determinado modelo se quer atingir um vasto público.
E ninguém liga muito para os livros. Ninguém se importou em proibir um livro em
décadas. E com essa falta de consideração, vem a liberdade que só os livros
têm. E Vísceras é, com certeza, a mais sombria, mais engraçada, mais sádica ou
mais perturbadora história em Assombro. A maioria eu nem me interesso em ler em
público.”
E,
agora, finalmente, o conto em si.
Vou deixar um aviso que se você não achar nada de mais, ou achar até divertido
e, de alguma forma, engraçado, vá buscar ajuda psiquiátrica, ou comece a
escrever.
Inspire.
Inspire
o máximo de ar que conseguir. Essa história deve durar aproximadamente o tempo
que você consegue segurar sua respiração, e um pouco mais. Então escute o mais
rápido que puder.
Um
amigo meu aos 13 anos ouviu falar sobre “fio-terra”. Isso é quando alguém enfia
um consolo na bunda. Estimule a próstata o suficiente, e os rumores dizem que
você pode ter orgasmos explosivos sem usar as mãos. Nessa idade, esse amigo é
um pequeno maníaco sexual. Ele está sempre buscando uma melhor forma de gozar.
Ele sai para comprar uma cenoura e lubrificante. Para conduzir uma pesquisa
particular. Ele então imagina como seria a cena no caixa do supermercado, a
solitária cenoura e o lubrificante percorrendo pela esteira o caminho até o
atendente no caixa. Todos os clientes esperando na fila, observando. Todos
vendo a grande noite que ele preparou.
Então,
esse amigo compra leite, ovos, açúcar e uma cenoura, todos os ingredientes para
um bolo de cenoura. E vaselina.
Como
se ele fosse para casa enfiar um bolo de cenoura no rabo.
Em
casa, ele corta a ponta da cenoura com um alicate. Ele a lubrifica e desce seu
traseiro por ela. Então, nada. Nenhum orgasmo. Nada acontece, exceto pela dor.
Então,
esse garoto, a mãe dele grita dizendo que é a hora da janta. Ela diz para
descer, naquele momento.
Ele
remove a cenoura e coloca a coisa pegajosa e imunda no meio das roupas sujas
debaixo da cama.
Depois
do jantar, ele procura pela cenoura, e não está mais lá. Todas as suas roupas
sujas, enquanto ele jantava, foram recolhidas por sua mãe para lavá-las. Não
havia como ela não encontrar a cenoura, cuidadosamente esculpida com uma faca
da cozinha, ainda lustrosa de lubrificante e fedorenta.
Esse
amigo meu, ele espera por meses na surdina, esperando que seus pais o
confrontem. E eles nunca fazem isso. Nunca. Mesmo agora que ele cresceu, aquela
cenoura invisível aparece em toda ceia de Natal, em toda festa de aniversário.
Em toda caça de ovos de páscoa com seus filhos, os netos de seus pais, aquela
cenoura fantasma paira por sobre todos eles. Isso é algo vergonhoso demais para
dar um nome.
As
pessoas na França possuem uma expressão: “sagacidade de escadas.” Em francês:
esprit de l’escalier. Representa aquele momento em que você encontra a
resposta, mas é tarde demais. Digamos que você está numa festa e alguém o
insulta. Você precisa dizer algo. Então sob pressão, com todos olhando, você
diz algo estúpido. Mas no momento em que sai da festa… enquanto você desce as
escadas, então – mágica. Você pensa na coisa mais perfeita que poderia ter
dito. A réplica mais avassaladora.
Esse
é o espírito da escada.
O
problema é que até mesmo os franceses não possuem uma expressão para as coisas
estúpidas que você diz sob pressão. Essas coisas estúpidas e desesperadas que
você pensa ou faz.
Alguns
atos são baixos demais para receberem um nome. Baixos demais para serem
discutidos.
Agora
que me recordo, os especialistas em psicologia dos jovens, os conselheiros
escolares, dizem que a maioria dos casos de suicídio adolescente eram garotos
se estrangulando enquanto se masturbavam. Seus pais os encontravam, uma toalha
enrolada em volta do pescoço, a toalha amarrada no suporte de cabides do
armário, o garoto morto. Esperma por toda a parte. É claro que os pais limpavam
tudo. Colocavam calças no garoto. Faziam parecer… melhor. Ao menos,
intencional. Um caso comum de triste suicídio adolescente.
Outro
amigo meu, um garoto da escola, seu irmão mais velho na Marinha dizia como os
caras do Oriente Médio se masturbavam de forma diferente do que fazemos por
aqui. Esse irmão tinha desembarcado num desses países cheios de camelos, onde o
mercado público vendia o que pareciam abridores de carta chiques. Cada uma
dessas coisas é apenas um fino cabo de latão ou prata polida, do comprimento
aproximado de sua mão, com uma grande ponta numa das extremidades, ou uma
esfera de metal ou uma dessas empunhaduras como as de espadas. Esse irmão da
Marinha dizia que os árabes ficavam de pau duro e inseriam esse cabo de metal
dentro e por toda a extremidade de seus paus. Eles então batiam punheta com o
cabo dentro, e isso os fazia gozar melhor. De forma mais intensa.
Esse
irmão mais velho viajava pelo mundo, mandando frases em francês. Frases em
russo. Dicas de punhetagem.
Depois
disso, o irmão mais novo, um dia ele não aparece na escola. Naquela noite, ele
liga pedindo para eu pegar seus deveres de casa pelas próximas semanas. Porque
ele está no hospital.
Ele
tem que compartilhar um quarto com velhos que estiveram operando as entranhas.
Ele diz que todos compartilham a mesma televisão. Que a única coisa para dar
privacidade é uma cortina. Seus pais não o vem visitar. No telefone, ele diz
como os pais dele queriam matar o irmão mais velho da Marinha.
Pelo
telefone, o garoto diz que, no dia anterior, ele estava meio chapado. Em casa,
no seu quarto, ele deitou-se na cama. Ele estava acendendo uma vela e folheando
algumas revistas pornográficas antigas, preparando-se para bater uma. Isso foi
depois que ele recebeu as notícias de seu irmão marinheiro. Aquela dica de como
os árabes se masturbam. O garoto olha ao redor procurando por algo que possa
servir. Uma caneta é grande demais. Um lápis, grande demais e áspero. Mas
escorrendo pelo canto da vela havia um fino filete de vela derretida que
poderia servir. Com as pontas dos dedos, o garoto descola o filete da vela. Ele
o enrola na palma de suas mãos. Longo, e liso, e fino.
Chapado
e com tesão, ele enfia lá dentro, mais e mais fundo por dentro do canal
urinário de seu pau. Com uma boa parte da cera ainda para fora, ele começa o
trabalho.
Até
mesmo nesse momento ele reconhece que esses árabes eram caras muito espertos.
Eles
reinventaram totalmente a punheta. Deitado totalmente na cama, as coisas estão
ficando tão boas que o garoto nem observa a filete de cera. Ele está quase
gozando quando percebe que a cera não está mais lá.
O
fino filete de cera entrou. Bem lá no fundo. Tão fundo que ele nem consegue
sentir a cera dentro de seu pau.
Das
escadas, sua mãe grita dizendo que é a hora da janta. Ela diz para ele descer
naquele momento. O garoto da cenoura e o garoto da cera eram pessoas
diferentes, mas viviam basicamente a mesma vida.
Depois
do jantar, as entranhas do garoto começam a doer. É cera, então ele imagina que
ela vá derreter dentro dele e ele poderá mijar para fora. Agora suas costas
doem. Seus rins. Ele não consegue ficar ereto corretamente.
O
garoto falando pelo telefone do seu quarto de hospital, no fundo pode-se ouvir
campainhas, pessoas gritando. Game shows.
Os
raios-X mostram a verdade, algo longo e fino, dobrado dentro de sua bexiga.
Esse longo e fino V dentro dele está coletando todos os minerais no seu mijo.
Está ficando maior e mais espesso, coletando cristais de cálcio, está batendo
lá dentro, rasgando a frágil parede interna de sua bexiga, bloqueando a urina.
Seus rins estão cheios. O pouco que sai de seu pau é vermelho de sangue.
O
garoto e seus pais, a família inteira, olhando aquela chapa de raio-X com o
médico e as enfermeiras ali, um grande V de cera brilhando na chapa para todos
verem, ele deve falar a verdade. Sobre o jeito que os árabes se masturbam.
Sobre o que o seu irmão mais velho da Marinha escreveu.
No
telefone, nesse momento, ele começa a chorar.
Eles
pagam pela operação na bexiga com o dinheiro da poupança para sua faculdade. Um
erro estúpido, e agora ele nunca mais será um advogado.
Enfiando
coisas dentro de você. Enfiando-se dentro de coisas. Uma vela no seu pau ou seu
pescoço num nó, sabíamos que não poderia acabar em problemas.
O
que me fez ter problemas, eu chamava de Pesca Submarina. Isso era bater punheta
embaixo d’água, sentando no fundo da piscina dos meus pais. Pegando fôlego, eu
afundava até o fundo da piscina e tirava meu calção. Eu sentava no fundo por
dois, três, quatro minutos.
Só
de bater punheta eu tinha conseguido uma enorme capacidade pulmonar. Se eu
tivesse a casa só para mim, eu faria isso a tarde toda. Depois que eu gozava,
meu esperma ficava boiando em grandes e gordas gotas.
Depois
disso eram mais alguns mergulhos, para apanhar todas. Para pegar todas e
colocá-las em uma toalha. Por isso chamava de Pesca Submarina. Mesmo com o
cloro, havia a minha irmã para se preocupar. Ou, Cristo, minha mãe.
Esse
era meu maior medo: minha irmã adolescente e virgem, pensando que estava
ficando gorda e dando à luz a um bebê retardado de duas cabeças. As duas
parecendo-se comigo. Eu, o pai e o tio. No fim, são as coisas com as quais você
não se preocupa que te pegam.
A
melhor parte da Pesca Submarina era o duto da bomba do filtro. A melhor parte
era ficar pelado e sentar nela.
Como
os franceses dizem, Quem não gosta de ter seu cu chupado? Mesmo assim, num
minuto você é só um garoto batendo uma, e no outro nunca mais será um advogado.
Num
minuto eu estou no fundo da piscina e o céu é um azul claro e ondulado,
aparecendo através de dois metros e meio de água sobre minha cabeça. Silêncio
total exceto pelas batidas do coração que escuto em meu ouvido. Meu calção
amarelo-listrado preso em volta do meu pescoço por segurança, só em caso de
algum amigo, um vizinho, alguém que apareça e pergunte porque faltei aos
treinos de futebol. O constante chupar da saída de água me envolve enquanto
delicio minha bunda magra e branquela naquela sensação.
Num
momento eu tenho ar o suficiente e meu pau está na minha mão. Meus pais estão
no trabalho e minha irmã no balé. Ninguém estará em casa por horas.
Minhas
mãos começam a punhetar, e eu paro. Eu subo para pegar mais ar. Afundo e sento
no fundo. Faço isso de novo, e de novo.
Deve
ser por isso que garotas querem sentar na sua cara. A sucção é como dar uma
cagada que nunca acaba. Meu pau duro e meu cu sendo chupado, eu não preciso de
mais ar. O bater do meu coração nos ouvidos, eu fico no fundo até as brilhantes
estrelas de luz começarem a surgir nos meus olhos. Minhas pernas esticadas, a
batata das pernas esfregando-se contra o fundo. Meus dedos do pé ficando azul,
meus dedos ficando enrugados por estar tanto tempo na água.
E
então acontece. As gotas gordas de gozo aparecem. É nesse momento que preciso
de mais ar. Mas quando tento sair do fundo, não consigo. Não consigo colocar
meus pés abaixo de mim. Minha bunda está presa.
Médicos
de plantão de emergência podem confirmar que todo ano cerca de 150 pessoas
ficam presas dessa forma, sugadas pelo duto do filtro de piscina. Fique com o
cabelo preso, ou o traseiro, e você vai se afogar. Todo o ano, muita gente
fica. A maioria na Flórida.
As
pessoas simplesmente não falam sobre isso. Nem mesmo os franceses falam sobre
tudo. Colocando um joelho no fundo, colocando um pé abaixo de mim, eu empurro
contra o fundo. Estou saindo, não mais sentado no fundo da piscina, mas não
estou chegando para fora da água também.
Ainda
nadando, mexendo meus dois braços, eu devo estar na metade do caminho para a
superfície mas não estou indo mais longe que isso. O bater do meu coração no
meu ouvido fica mais alto e mais forte.
As
brilhantes fagulhas de luz passam pelos meus olhos, e eu olho para trás… mas
não faz sentido. Uma corda espessa, algum tipo de cobra, branco-azulada e cheia
de veias, saiu do duto da piscina e está segurando minha bunda. Algumas das
veias estão sangrando, sangue vermelho que aparenta ser preto debaixo da água,
que sai por pequenos cortes na pálida pele da cobra. O sangue começa a sumir na
água, e dentro da pele fina e branco-azulada da cobra é possível ver pedaços de
alguma refeição semi-digerida.
Só
há uma explicação. Algum horrível monstro marinho, uma serpente do mar, algo
que nunca viu a luz do dia, estava se escondendo no fundo escuro do duto da
piscina, só esperando para me comer.
Então…
eu chuto a coisa, chuto a pele enrugada e escorregadia cheia de veias, e parece
que mais está saindo do duto. Deve ser do tamanho da minha perna nesse momento,
mas ainda segurando firme no meu cu. Com outro chute, estou a centímetros de
conseguir respirar. Ainda sentindo a cobra presa no meu traseiro, estou bem
próximo de escapar.
Dentro
da cobra, é possível ver milho e amendoins. E dá pra ver uma brilhante esfera
laranja. É um daqueles tipos de vitamina que meu pai me força a tomar, para
poder ganhar massa. Para conseguir a bolsa como jogador de futebol. Com ferro e
ácidos graxos Ômega 3.
Ver
essa pílula foi o que me salvou a vida. Não é uma cobra. É meu intestino grosso
e meu cólon sendo puxados para fora de mim. O que os médicos chamam de prolapso
de reto. São minhas entranhas sendo sugadas pelo duto.
Os
médicos de plantão de emergência podem confirmar que uma bomba de piscina pode
puxar 300 litros de água por minuto. Isso corresponde a 180 quilos de pressão.
O grande problema é que somos todos interconectados por dentro. Seu traseiro é
apenas o término da sua boca. Se eu deixasse, a bomba continuaria a puxar
minhas entranhas até que chegasse na minha língua. Imagine dar uma cagada de
180 quilos e você vai perceber como isso pode acontecer.
O
que eu posso dizer é que suas entranhas não sentem tanta dor. Não da forma que
sua pele sente dor. As coisas que você digere, os médicos chamam de matéria
fecal. No meio disso tudo está o suco gástrico, com pedaços de milho, amendoins
e ervilhas.
Essa
sopa de sangue, milho, merda, esperma e amendoim flutua ao meu redor. Mesmo com
minhas entranhas saindo pelo meu traseiro, eu tentando segurar o que restou,
mesmo assim, minha vontade é de colocar meu calção de alguma forma.
Deus
proíba que meus pais vejam meu pau.
Com
uma mão seguro a saída do meu rabo, com a outra mão puxo o calção
amarelo-listrado do meu pescoço. Mesmo assim, é impossível puxar de volta.
Se
você quer sentir como seria tocar seus intestinos, compre um camisinha feita
com intestino de carneiro. Pegue uma e desenrole. Encha de manteiga de
amendoim. Lubrifique e coloque debaixo d’água. Então tente rasgá-la. Tente
partir em duas. É firme e ao mesmo tempo macia. É tão escorregadia que não dá
para segurar.
Uma
camisinha dessas é feita do bom e velho intestino.
Você
então vê contra o que eu lutava.
Se
eu largo, sai tudo.
Se
eu nado para a superfície, sai tudo.
Se
eu não nadar, me afogo.
É
escolher entre morrer agora, e morrer em um minuto.
O
que meus pais vão encontrar depois do trabalho é um feto grande e pelado, todo
curvado. Mergulhado na água turva da piscina de casa. Preso ao fundo por uma
larga corda de veias e entranhas retorcidas. O oposto do garoto que se
estrangula enquanto bate uma. Esse é o bebê que trouxeram para casa do hospital
há 13 anos. Esse é o garoto que esperavam conseguir uma bolsa de jogador de
futebol e eventualmente um mestrado. Que cuidaria deles quando estivessem
velhinhos. Seus sonhos e esperanças. Flutuando aqui, pelado e morto. Em volta
dele, gotas gordas de esperma.
Ou
isso, ou meus pais me encontrariam enrolado numa toalha encharcada de sangue,
morto entre a piscina e o telefone da cozinha, os restos destroçados das minhas
entranhas para fora do meu calção amarelo-listrado.
Algo
sobre o que nem os franceses falam. Aquele irmão mais velho na Marinha, ele
ensinou uma outra expressão bacana. Uma expressão russa. Do jeito que nós
falamos “Preciso disso como preciso de um buraco na cabeça…”, os russos dizem,
“Preciso disso como preciso de dentes no meu cu…”
Mne
eto nado kak zuby v zadnitse.
Essas
histórias de como animais presos em armadilhas roem a própria perna fora, bem,
qualquer coiote poderá te confirmar que algumas mordidas são melhores que
morrer.
Droga…
mesmo se você for russo, um dia vai querer esses dentes.
Senão,
o que você pode fazer é se curvar todo. Você coloca um cotovelo por baixo do
joelho e puxa essa perna para o seu rosto. Você morde e rói seu próprio cu. Se
você ficar sem ar você consegue roer qualquer coisa para poder respirar de
novo.
Não
é algo que seja bom contar a uma garota no primeiro encontro. Não se você
espera por um beijinho de despedida. Se eu contasse como é o gosto, vocês não
comeriam mais frutos do mar.
É
difícil dizer o que enojaria mais meus pais: como entrei nessa situação, ou
como me salvei. Depois do hospital, minha mãe dizia, “Você não sabia o que
estava fazendo, querido. Você estava em choque.” E ela teve que aprender a
cozinhar ovos pochê.
Todas
aquelas pessoas enojadas ou sentindo pena de mim…
Precisava
disso como precisaria de dentes no cu.
Hoje
em dia, as pessoas sempre me dizem que eu sou magrinho demais. As pessoas em
jantares ficam quietas ou bravas quando não como o cozido que fizeram. Cozidos
podem me matar. Presuntadas. Qualquer coisa que fique mais que algumas horas
dentro de mim, sai ainda como comida. Feijões caseiros ou atum, eu levanto e
encontro aquilo intacto na privada.
Depois
que você passa por uma lavagem estomacal super-radical como essa, você não digere
carne tão bem. A maioria das pessoas tem um metro e meio de intestino grosso.
Eu tenho sorte de ainda ter meus quinze centímetros. Então nunca consegui minha
bolsa de jogador de futebol. Nunca consegui meu mestrado. Meus dois amigos, o
da cera e o da cenoura, eles cresceram, ficaram grandes, mas eu nunca pesei
mais do que pesava aos 13 anos.
Outro
problema foi que meus pais pagaram muita grana naquela piscina. No fim meu pai
teve que falar para o cara da limpeza da piscina que era um cachorro. O cachorro
da família caiu e se afogou. O corpo sugado pelo duto. Mesmo depois que o cara
da limpeza abriu o filtro e removeu um tubo pegajoso, um pedaço molhado de
intestino com uma grande vitamina laranja dentro, mesmo assim meu pai dizia,
“Aquela porra daquele cachorro era maluco.”
Mesmo
do meu quarto no segundo andar, podia ouvir meu pai falar, “Não dava para
deixar aquele cachorro sozinho por um segundo…”
E
então a menstruação da minha irmã atrasou.
Mesmo
depois que trocaram a água da piscina, depois que vendemos a casa e mudamos
para outro estado, depois do aborto da minha irmã, mesmo depois de tudo isso
meus pais nunca mencionaram isso novamente.
Nunca.
Essa
é a nossa cenoura invisível.
Você.
Agora
você pode respirar.
Eu
ainda não.
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