Uma
das coisas mais legais de se mergulhar em um livro é a sensação de sair da sua
realidade e se colocar no corpo de outra pessoa. Mas isso não acontece só no
sentido figurado – pode acontecer num sentido biológico também. Cientistas da Universidade Emory, nos Estados Unidos, descobriram que
ler pode afetar nosso cérebro por dias, como se realmente tivéssemos vivenciado
os eventos sobre o qual estamos lendo.
Para
chegar a essa conclusão, os pesquisadores analisaram os efeitos da leitura
sobre redes cerebrais usando ressonância magnética funcional (fMRI). Até então,
os estudos já feitos só focavam os efeitos imediatos da leitura, com
voluntários lendo histórias curtas dentro do scanner. Desta vez, foram
analisados os efeitos posteriores. Para isso, 21 estudantes da universidade
participaram do experimento por 19 dias consecutivos. Todos eles tiveram de ler
“Pompeia”, livro de 2003 escrito por Robert Harris e baseado na erupção real do
Monte Vesúvio na Itália antiga.
“A
história segue um protagonista, que está fora da cidade de Pompéia e percebe
vapor e coisas estranhas acontecendo ao redor do vulcão”, diz o neurocientista
Gregory Berns, principal autor do estudo. “Ele tenta voltar para lá a tempo de
salvar a mulher que ama. Enquanto isso, o vulcão continua e ninguém na cidade
reconhece os sinais”. Segundo ele, o livro foi escolhido por ter uma forte
linha narrativa e ser emocionante e cheio de suspense, o que era importante
para que os leitores pudessem realmente se envolver com a história.
Todas
as manhãs, nos cinco primeiros dias, os voluntários tiveram seu cérebro
analisado em estado de repouso pelo scanner de ressonância magnética.
Depois
disso, eles passaram a receber diariamente, por nove dias, uma parte do livro
com cerca de 30 páginas cada, sempre para ler à noite. Nas manhãs seguintes,
depois de passarem por um teste inicial para garantir que haviam terminado a
leitura da noite anterior, eles passavam por outro exame de fMRI. Para
completar, os participantes ainda passaram por exames adicionais por mais cinco
dias depois de completar todas as nove seções do romance.
Os
pesquisadores descobriram que, nas manhãs seguintes às tarefas de leitura, o
cérebro dos voluntários mostraram conectividade elevada no córtex temporal
esquerdo, uma área associada à receptividade para a linguagem. “Mesmo que os
participantes não estivessem realmente lendo o romance enquanto estavam no
scanner, eles mantiveram essa conectividade elevada. Chamamos isso de
‘atividade sombra’, quase como uma memória muscular”, diz Berns.
Outra
área que apresentou conectividade intensificada estava próxima do sulco
central, uma região sensório-motora primária cujos neurônios são associados à
representação das sensações para o corpo – o processo que acontece quando
pensamos em correr, por exemplo, e ativamos os neurônios associados ao ato
físico de correr. Em outras palavras, o cérebro dos leitores estava funcionando
como se eles tivessem realizado uma série de atividades físicas que eles não
haviam feito – mas o personagem do seu livro, sim.
“As
mudanças neurais que encontramos associadas às sensações físicas e sistemas de
movimento sugerem que a leitura de um romance pode transportá-lo para dentro do
corpo do protagonista”, diz Berns. “Nós já sabíamos que boas histórias podem
colocá-lo no lugar do outro em sentido figurado. Agora estamos vendo que alguma
coisa pode estar acontecendo também biologicamente”, completa. E é importante
notar que essas mudanças neurais não eram apenas reações imediatas já que
persistiram não só pela manhã seguinte às leituras, como também durante os
cinco dias após os participantes terminarem o romance.
Como
o estudo acabou depois desse tempo, não se sabe quanto essas mudanças neurais
podem durar. “Mas o fato de que as detectamos por alguns dias para um romance
aleatório que as pessoas tiveram de ler sugere que seus livros favoritos
certamente podem ter um efeito maior e mais duradouro sobre a biologia do seu
cérebro”, conclui Berns.
O
estudo foi publicado na revista Brain Conectivity no
fim do ano passado.
Fote: Superinteressante - Guia do Estudante
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