sexta-feira, 13 de junho de 2014

Novo romance de Tailor Diniz mistura policial e fantástico

Contratada para passar uma noite com um cliente desconhecido, uma garota de programa embarca em uma estranha viagem entre o real e o absurdo. Sem saber para onde está indo, atravessa estradas ameaçadoras e vilarejos fantasmagóricos, sempre perdida entre sonho, realidade, rituais perversos e canções de Roberto Carlos.

Um dos nomes do romance policial no Brasil, o roteirista e escritor Tailor Diniz oferece “Em linha reta” (Editora Grua, 128 páginas, R$ 30) um thriller com doses de literatura fantástica.


Como vê a literatura policial no Brasil?

O momento é bom. São muitos autores produzindo e publicando, alguns conhecidos e conceituados, outros pouco conhecidos, em editoras menores, mas há uma perceptível efervescência no mercado. Tanto que as grandes editoras brasileiras têm sua coleção dedicada ao policial, Companhia das Letras, Record, Autêntica, L&PM, por exemplo. Isso se deve também à internet e às redes sociais, Facebook especialmente, que abrigam comunidades de autores e de leitores dedicados ao gênero, com discussões e, importante, divulgação e compartilhamento de textos, de lançamentos, resenhas e críticas.

Embora haja um mercado para livros policiais no país (os lançamentos de autores estrangeiros comprovam), vemos poucas publicações nacionais do gênero (ou “subgênero”, como consideram alguns). Por que? O escritor brasileiro tem preconceito com a literatura policial?

Não. Entendo que o problema não está com o escritor. Os autores brasileiros estão aí, produzindo bastante. Há preconceito, sim, em menor grau do que há 15, 20 anos, mas não de parte do escritor. Até porque, não acho que seja tão comum assim um autor decidir sobre em que gênero vai escrever, tipo: ah, literatura policial é um gênero menor!? Então vou escrever autoajuda ou algo intimista...

Sobre o preconceito, existe em dois âmbitos: de pessoas que realmente acham o policial um gênero inferior e, entre os próprios aficionados, contra o autor brasileiro. Quando publiquei “Crime na Feira do Livro”, por exemplo, saiu uma resenha bem positiva, num site especializado em literatura policial, e, lá no final, o resenhista fazia uma recomendação: o livro é de um autor brazuca, a história se passa em Porto Alegre, vamos dar uma força pro cara. No primeiro comentário, alguém dizia: “Policial brazuca, a história se passa em Porto Alegre? Xô, melhor, não!”

Por ironia, três anos depois, esse livro foi traduzido para o alemão e lançado durante a Feira de Frankfurt, em 2013. A história se passa durante a Feira do Livro de Porto Alegre, a ação começa com um assassinato, no primeiro dia da Feira, no espaço da Feira, e termina no último dia, com a descoberta do assassino. É um livro que poderia ser rotulado, à primeira vista, como obra regional, rejeitada por aquele leitor que só consome autores estrangeiros, mas que, considerando-se o olhar do editor alemão (que publica pensando no leitor alemão), tem um valor literário de interesse independente do lugar onde se desenvolve a ação e da nacionalidade do autor.

Para um ficcionista brasileiro, é difícil rivalizar com uma realidade tão violenta e absurda?

Se eu disser que sim, ou que essa seria a causa de ainda não termos alcançado o nível de produção e receptividade dos autores estrangeiros, estaria desconsiderando a gênese da literatura policial, que começou na França, no final do século XIX e início do XX, num dos períodos mais violentos do país. As execuções na guilhotina em praça pública eram eventos concorridíssimos, as notícias de casos reais de assassinatos concorriam com os folhetins publicados nos mesmos jornais, bandidos eram recrutados para atuar como policiais sob o argumento de que só eles conheciam o submundo do crime e, assim, estariam aptos a combatê-lo; grupos de anarquistas chamados Apaches esfaqueavam turistas em plena rua, o pequeno Théâtre du Grand-Guignol, em Montmartre, fazia representações tão horripilantes e violentas que as pessoas saíam do recinto respingadas de sangue, o grande herói nacional da ficção era um sujeito chamado Fantomas, que não era o mocinho, mas o bandido de todos os folhetins do qual era protagonista — tudo isso poderia rivalizar com a literatura policial, no entanto, foi nesse contexto que ela nasceu.

Cenário de corrupção também havia nos Estados Unidos, durante a Lei Seca, um dos períodos de maior violência no país, quando surgiram grandes nomes da literatura policial americana. Não acho, portanto, que a violência e a corrupção possam ser uma espécie de concorrência ou algo que iniba o consumo e a produção de literatura policial no Brasil.

Literatura policial é só entretenimento ou dá para fazer algo mais?

Acho que, no final das contas, toda literatura é de entretenimento. O que ocorre é que a literatura policial, pela sua estrutura e apelo, é um gênero de fácil compreensão, detalhe que a tornou popular ao longo dos anos em todo o mundo. Daí essa tentativa de rotulá-la como de entretenimento, como se fosse menos importante por ser de fácil compreensão e ser consumida indistintamente. A literatura policial, em especial a que surgiu a partir de Dashiell Hammett e Raymond Chandler, nos Estados Unidos, por exemplo, não deixa de conter nos seus enredos críticas sociais e políticas muito fortes. É difícil encontrar na literatura dita “maior” um livro que aborde de forma tão rica temas como a amizade e a solidão, além de outras questões de cunho social e político, como “O longo adeus”, de Raymond Chandler, ambientado na Los Angeles do pós-Guerra. Na mesma linha, lembro-me dos romances e contos de Walter Mosley, com seu personagem Sócrates Fortlow, um ex-presidiário que sofre todo o tipo de preconceito social e racial na luta para se reintegrar à sociedade e, dessa forma, apagar o passado de crimes que o levara a passar vários anos na prisão. Para não ficarmos apenas nos estrangeiros, quem conhece o inspetor Espinoza, de Alfredo Garcia-Roza, percebe que seu personagem muitas vezes é uma espécie de oásis de caráter e retidão perto de seus superiores e colegas de polícia, na delegacia onde trabalha. Não vou dizer que a literatura policial faz menos ou faz mais, ela apenas cumpre seu papel (e às vezes não) como qualquer outro gênero, de entreter e retratar as agruras da sociedade, tanto sob o ponto de vista político, como social e psicológico.

E no caso de "Em linha reta"? Há uma ideia de falar da sociedade brasileira através de um gênero bem específico?

Não considero “Em linha reta” um livro 100% policial, mas um livro que, ao longo de sua narrativa, contém ingredientes da literatura policial, como o suspense e uma estrutura próxima do folhetim em que, ao final de cada capítulo, é posta uma isca para o leitor seguir adiante na leitura. Do início ao fim, o leitor é atraído para algo que pode acontecer, como se a qualquer momento fosse surgir uma novidade capaz de explicar aquela situação meio absurda que se apresenta, da personagem principal tendo a impressão de estar mergulhando sem volta num espaço vazio e desconhecido, e de extremo perigo. Mas isso não é resultado de algo planejado. É um estilo de narrar que também tem muito a ver com minhas preferências como leitor. “Em linha reta”, por exemplo, contrariando uma característica principal do gênero, não tem um enredo, de pontas que se soltam e se encontram no final. É uma narrativa linear.

Sob o ponto de vista de conteúdo, há, sim, uma abordagem social e política. O que procuro retratar é um mundo no qual estão corroídos os pilares que sustentariam uma sociedade justa e de direito — a polícia, a justiça e aquelas instituições que, em vez de proteger o cidadão, por força de um ser invisível, mas tirano e poderoso, acabam por subjugá-lo. E com o suporte do fanatismo religioso que, a cada dia, ocupa mais espaço na sociedade, na política e no poder, fato a sugerir que podemos ter pela frente, num tempo não muito distante, um período de obscurantismo. Basta hoje ligarmos a TV e o rádio e acompanharmos o noticiário político para perceber que o fanatismo religioso está ocupando espaços e, na minha opinião, é uma ameaça séria à liberdade.

Como chegou ao personagem da prostituta? Como a questão do mercado do sexo é abordada no livro?

Depois que publiquei “A superfície da sombra”, meu livro anterior, em função da boa aceitação daquilo que se propunha, de abordar questões de fronteira, até onde algo é aquilo que aparenta e partir de quando passa a ser outra coisa, senti que poderia ir adiante no tema. Como em “A superfície da sombra” o cenário geográfico servia de metáfora para essas questões (a história se passa em duas cidades gêmeas na fronteira do Brasil com o Uruguai, separadas apenas por uma avenida), imaginei que o livro seguinte devia tratar a questão das fronteiras de uma forma mais subjetiva, entre o delírio e o sonho, entre a máquina e o humano, entre o novo e o arcaico. Como o personagem anterior era masculino, quis para o novo livro uma personagem feminina. De alguém que mergulhasse num mundo estranho, desconhecido e hostil. Daí surgiu a ideia de uma garota de programa, uma profissão propícia a esses perigos.

Embora essa personagem seja apresentada de forma clara e objetiva, não há uma abordagem direta da questão do mercado do sexo. Ela tem o perfil de uma garota de programa real, verdadeira, é universitária, jovem, atraente, vive dois mundos distintos, da mulher que faz programas com quem paga e da garota de classe média que tem namorado, frequenta shoppings, usa as redes sociais, posta selfies, come pizza com os pais e os irmãos e vai para a balada com as amigas. Quando está com a família, ninguém imagina que aquela seja a sua profissão, quando está atendendo um cliente, usa um desses nomes que lembram atrizes famosas, mas sem revelar a identidade. Essa é uma fronteira entre dois mundos que eu também quis abordar: até onde ela é uma garota de programa e a partir de quando passa a ser uma garota família, que se preocupa com o presente de aniversário do irmão caçula ou em avisar a mãe que vai chegar mais tarde em casa para ela não se preocupar — e vice-versa. Mas não há espaço para o aprofundamento da questão, ela é apresentada dessa forma apenas como uma das engrenagens da narrativa.

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