sexta-feira, 22 de agosto de 2014

12 dicas para escritores iniciantes por George R. R. Martin

A época dessa entrevista em Novembro de 2013, George R.R. Martin esteve em Sydney no Opera House, para comentar mais uma vez sobre As Crônicas de Gelo e Fogo e aproveitou para dar algumas dicas para quem quer se aventurar pela escrita de fantasia, baseado em sua própria experiência. Mesclamos isso a algumas dicas tiradas da seção de perguntas frequentes do site oficial de Martin. Então abaixo seguem os doze mandamentos do Rei (olha a heresia) dos escritores de Fantasia da atualidade.


Ler e Escrever, sempre
Eu acho que, a coisa mais importante para qualquer aspirante a escritor, é ler. E não somente o tipo de coisa que você está tentando escrever, pode ser fantasia, ficção cientifica, quadrinhos, qualquer tipo de literatura. Você precisa ler de tudo. Leia a história, ficção histórica, biografias, leia novelas de mistério, fantasia, ficção cientifica, horror, os sucessos, literatura clássica, erótica, aventura, sátira. Cada escritor vai ter algo para ensinar a você, seja bom ou ruim. (E sim, você pode aprender com livros ruins também – o que não fazer).

escrever. Escreva todos os dias, mesmo que seja uma página ou duas. Quanto mais você escrever, melhor nisso você será. Mas não escreva no meu universo, no de Tolkein, no universo Marvel, de Star Trek ou em qualquer outro que você pegue emprestado. Cada escritor precisa aprender a criar seus próprios personagens, mundos e configurações. Usar o mundo de outro é o método preguiçoso. Se você não exercitar esses “músculos literários”, você nunca vai desenvolvê-los.

Comece aos poucos
Dada a realidade do mercado de ficção cientifica e fantasia atual, eu sugiro também que qualquer aspirante a escritor comece com histórias curtas, contos. Hoje me dia eu vejo muitos escritores novos tentando começar de cara com uma novela ou uma trilogia, ou até mesmo com uma série de nove livros. É como começar a escalar de cara pelo Monte Everest. Histórias curtas vão ajuda-lo a aprender seu ofício. Elas são o lugar certo para cometer os erros que todo escritor iniciante vai cometer. E são ainda o melhor caminho para um escritor iniciante aparecer, já que as revistas e coletâneas de contos estão sempre procurando por contos de fantasia e ficção cientifica. Uma vez que você tiver vendido esses contos por uns cinco anos, você terá construído seu nome e editores irão começar a lhe perguntar sobre seu primeiro romance.

Não há problema em pegar “emprestado” da História
Embora minha história seja de fantasia, é fortemente baseada em história medieval real. A Guerra das Rosas, que foi sobre os Yorks e os Lancaster ao invés dos Stark e dos Lannister, foi uma das maiores influências. Mas eu gosto de misturar e combinar e mover coisas ao redor. Como diz um famoso ditado, roubar de uma só fonte é plágio, mas roubar de muitas fontes é pesquisa!

Não limite a sua imaginação
Eu sabia desde o começo que eu queria uma história grande e complexa. Antes d’As Crônicas de Gelo e Fogo eu trabalhei na televisão por dez anos e sempre me deparava com um script de uma cena comum que eu escrevia, mas me diziam “George , isso é ótimo , mas é muito grande e caro, você precisa cortar algumas coisas. Você tem 126 personagens e só temos orçamento para seis”.

Quando eu voltei para a literatura, de repente não havia limites: Eu poderia escrever algo enorme, com todos os personagens que eu queria, com batalhas, dragões e imensos detalhes. Claro, eu pensei que isso seria infilmável e que eu nunca teria que me preocupar com Hollywood novamente. Mas isso é problema de David Benioff e Dan Weiss agora [produtores de TV de Game of Thrones].


Escolha os seus personagens com ponto-de-vista de forma a ampliar a narrativa
Minha história é essencialmente sobre um mundo em guerra. Ela começa muito pequena, com todo mundo no castelo de Winterfell, exceto Daenerys. É um foco muito apertado, e em seguida, conforme os personagens se separaram, cada personagem encontra mais pessoas e POVs adicionais entram em foco.

É como se você estivesse tentando fazer um romance da 2ª Guerra Mundial: você vai pegar apenas um soldado comum? Bem, isso só cobriria o cenário europeu , não o Pacífico. Você faz de Hitler um personagem com ponto de vista para mostrar o outro lado? E o lado japonês ou da Itália? Roosevelt, Mussolini, Eisenhower – todos esses personagens têm um ponto de vista único que representa algo enorme na 2ª Guerra Mundial.

Então, você pode ir a partir de uma estrutura de ponto de vista onisciente onde você está contando isso do ponto de vista de Deus, que é uma técnica literária bastante desatualizada, ou você tem um mosaico de pessoas que estão vendo uma pequena parte da história cada um, e através deles você pode obter toda a imagem. Esse é o caminho que eu escolhi usar.

Faça Pontos de Vista críveis
Em última análise, todos nós estamos sozinhos no universo – a única pessoa que cada um de nós realmente conhece profundamente, somos nós mesmos. Obviamente, eu nunca fui um anão ou uma princesa, então quando eu estou escrevendo esses personagens eu tenho que tentar e conseguir entrar em sua pele e ver como seria o mundo de sua posição. Nem sempre é fácil.

Uma parte disso pode ser conseguido falando com pessoas reais. Eu me correspondia com um fã que era paraplégico quando eu estava escrevendo o primeiro e o segundo livros. Ele me deu um monte de informações valiosas sobre como escrever sobre Bran e como seria estar nessa situação.

Mas, ultimamente, eu acho que a humanidade que todos os meus personagens compartilham é mais importante do que se são homens ou mulheres, princesas ou camponeses, altos ou pequenos. Enquanto estas coisas certamente fazem diferença, todos os tipos de seres humanos em todas as culturas ao longo da história têm desejado sucesso, amor, uma certa dose de prosperidade, conseguir comer e não ser morto. Estas são coisas muito básicas que motivam todas as pessoas e tento manter isso em mente ao escrever qualquer personagem.

A Dor é uma ferramenta poderosa – mas não exagere
Apresentar a dor é algo difícil de fazer. Anos atrás eu escrevia para um programa de TV chamado A Bela e a Fera, estrelado por Ron Perlman e Linda Hamilton. Linda deixou o show após a segunda temporada para seguir uma carreira no cinema, por isso, decidimos retirar o personagem da história ao invés de substituir a atriz, porque era mais dramático. Tivemos a personagem morta e isso levou a uma grande briga com a rede [o canal].

Queríamos passar um episódio inteiro em que a personagem estaria enterrada e todo mundo passaria 60 minutos chorando e lamentando e compartilhando suas lembranças sobre ela. Mas a rede não queria que mostrássemos nada disso. Eles disseram “o personagem está morto, você precisa seguir em frente e apresentar uma nova Bela. Nunca mais vamos mencionar o nome de seu personagem novamente”. Toda a sala de escritores ficou horrorizada com isso. Era para ser uma história de amor pelas eras, ele não ia simplesmente esquecê-la e seguir para a próxima Bela.

Nós meio que ganhamos a batalha, mas perdemos a guerra. Apresentamos o episódio [como queríamos] e foi muito poderoso. Acho que nossos fãs mais incondicionais assistiram, derramaram muitas lágrimas e depois nunca mais assistiram a série de novo! A mágoa, o sofrimento, não necessariamente se traduz em valor de entretenimento. Dito isto, faz mais poderosa a narrativa. Apresentar não apenas a morte, mas a dor é importante. Em algum momento, todos nós experimentamos a perda de nossos pais, ou irmão ou amigos próximos e é uma emoção muito poderosa.

Violência deve ter consequências – então não poupe ninguém!
Se você pretende escrever sobre guerra no estilo medieval, você precisa mostrar isso – todas essas espadas não são apenas para enfeite. Você deve apresentá-lo honestamente em toda a sua feiura e horror. Batalhas medievais eram excepcionalmente sangrentas, as pessoas basicamente acertavam umas as outras com pedaços grandes, muito afiadas de metal que arrancavam membros e deixavam lesões horríveis e devastadores. Na Batalha de Hastings há relatos contemporâneos de um verdadeiro banho de sangue (estima-se que somando os dois lados haviam 17000 soldados e fora os feridos teriam morrido cerca de 6.000, tudo isso em uma manhã). Eu gosto de mostrar as consequências críveis da guerra, como o homem aleijado, que viveu depois.

Curiosamente, na série, eles mataram uma certo número de personagens menores que ainda estão vivos nos livros, como as duas servas de Daenerys. Quando perguntei [aos produtores] sobre isso, eles me explicaram que ao contrário dos meus personagens nos livros, os atores esperam ser pagos em dinheiro! Portanto, a fim de introduzir um novo personagem no início de cada temporada, eles têm que matar alguns dos antigos personagens para ter folga [no orçamento].

Evite clichês de fantasia
Eu amo fantasia e tenho lido durante toda a minha vida, mas eu também sou muito consciente de suas falhas. Uma das coisas que me deixa louco é a exteriorização do mal, onde o mal vem do “Senhor das Trevas” que está sentado em seu palácio escuro com seus asseclas sombrios onde todos se vestem de preto e são muito feios. Eu deliberadamente brinquei com isso. Veja a Patrulha da Noite, eles mesmos estão cheios de ladrões, saqueadores e estupradores, e são pessoas heroicas – mas todos eles se vestem de preto. E depois há os Lannister que são bonitos e justos, mas não são as pessoas mais simpáticas da história.

Na fantasia simplista, as guerras são sempre plenamente justificadas – você tem as forças da luz que lutam contra uma horda escura que querem espalhar o mal sobre a terra. Mas a história real é mais complexa. Há uma grande cena em Henrique V de William Shakespeare, em que Henrique vai andando entre os seus homens disfarçado na véspera da batalha de Agincourt, e alguns deles estão questionando se a causa do rei é justa ou não, e lamentando todas as pessoas que vão morrer para apoiar a sua reivindicação. Essa é uma pergunta válida. Então você tem a Guerra dos Cem Anos, que era basicamente uma briga entre famílias que mandou gerações inteiras para o matadouro. Então, eu tento mostrar isso no que escrevo.

Criando personagens “cinza”
Personagens cinza [nem bons, nem maus] sempre me interessaram mais e eu acho que o mundo está cheio deles. Eu li um monte de História, e eu não achei nenhum personagem puramente heroico ou puramente mau. Você pode escolher os exemplos mais extremos – Hitler era famoso por amar cães. Stalin, Mao, Genghis Khan, os grandes assassinos em massa da história eram todos heroicos sob seus próprios olhos. Por outro lado você pode ler histórias sobre todos os santos da história católica e Madre Teresa ou Gandhi e você pode encontrar coisas e ações sobre eles que eram erradas ou questionáveis , mas que eles fizeram.

Somos todos cinza e eu acho que todos nós temos a capacidade de fazer coisas heroicas e coisas muito egoístas. Eu acho que compreender isso é a chave para você criar personagens que realmente têm alguma profundidade neles. Mesmo quando eu estou escrevendo Theon Greyjoy, que é alguém que muitas pessoas odeiam, eu tenho que tentar ver o mundo através de seus olhos e dar sentido ao que ele faz.

Gerenciar muitos personagens requer habilidade – e sorte
Eu às vezes me pergunto se será possível amarrar todos os fios soltos na minha saga. Tenho pesadelos quando eu penso sobre tudo se juntando nos últimos dois livros. Acho que posso fazer isso, mas vamos ver quando eu chegar ao fim. Às vezes, esses personagens malditos tem uma mente própria e se recusam a fazer o que eu quero que eles façam. Eu acho que nós vamos saber se tudo vai funcionar em uma década mais ao menos!

Lembre-se: O inverno está chegando
Valar Morghulis – Todos os homens devem morrer. Eu acho que a consciência de nossa própria mortalidade é algo que diz respeito mais a arte e a literatura. Mas eu não acho que isso se traduz, necessariamente, em uma visão de mundo pessimista. Assim como no mundo real, meus personagens estão aqui apenas por um curto espaço de tempo. O importante é o amor, a paixão, a empatia, o riso, até mesmo rir na cara da morte, se for possível. Há trevas no mundo, mas não podemos dar lugar ao desespero. Um dos melhores temas de O Senhor dos Anéis é que o desespero é o crime supremo. O inverno está chegando, mas você pode acender as tochas e beber vinho e se reunir ao redor do fogo e continuar a lutar por um bom combate.
Mas seja lá o que você fizer, no entanto… Boa sorte. Você vai precisar.

E então? Está pronto para começar sua própria saga? Interessante que “leve todo o tempo do mundo para escrever seu livro” e “não se desespere se seus fãs não te deixarem em paz” não foram citados como conselhos, mas a gente releva.

Matéria original aqui!


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