terça-feira, 19 de agosto de 2014

Autor de ‘Os imperfeccionistas’ lança novo romance


Era 1988 e Tooly Zylberberg tinha 9 anos quando foi raptada por três estranhos em Bangcoc. Em 1999, ela vivia de pequenos golpes em Nova York. Doze anos depois, Tooly é dona de uma livraria no País de Gales e recebe uma mensagem informando que seu pai está morrendo nos EUA. O segundo livro do escritor anglo-canadense Tom Rachman é um quebra-cabeça da vida dessa jovem, que decide viver offline no limiar do século XX para o XXI. “The rise & fall of the great powers” (“Ascensão & queda das grandes potências”, em tradução livre) chega às livrarias inglesas quatro anos após o primeiro romance de Rachman, “Os imperfeccionistas” (Record), que colheu elogios ao narrar a vida de um grupo de jornalistas e que, agora, está sendo adaptado para virar seriado da BBC. Tanto na história anterior quanto na nova, que sai no Brasil em 2015, também pela Record, Rachman parte de uma trama simples, mas recheada de questões contemporâneas, como direito a privacidade e anonimato no mundo virtual.

Envolvido com a adaptação de “Os imperfeccionistas” e já trabalhando num terceiro livro, Rachman falou ao GLOBO em Londres. Ex-editor do “International Herald Tribune” e ex-repórter da agência Associated Press, o autor, de 40 anos, falou da necessidade de se desconectar para ser criativo e da onda nostálgica que ele acredita estar assolando a Humanidade.

Você acha que ainda há muitas pessoas que optam por ser tão desconectadas e distantes do mundo virtual como os protagonistas do livro?

Elas só existem em livros (risos). Acho que há pessoas optando por limitar o tempo que passam on-line, sim, buscando formas de viver com o mínimo e ter períodos de completo afastamento do mundo virtual. Mas algo tão radical é extremamente difícil para quem quer uma vida normal. Na verdade, é muito difícil se livrar dessas coisas, mesmo que você queira. Há várias indústrias bilionárias no mundo da tecnologia que vivem exclusivamente para descobrir formas de satisfazer os interesses das pessoas. Elas trabalham para que estejamos sempre checando alguma coisa. É obviamente uma reação animal: você fica excitado a cada nova mensagem e está condicionado a reagir dessa maneira. Progressivamente fica mais difícil se livrar dessa realidade. Todo mundo está mais agitado e distraído, e é cada vez mais difícil se concentrar. Sendo possível, acredito que é uma boa ideia controlar a extensão com que deixamos nossas vidas se dissolverem na internet.

Um dos temas do livro é a relação dos personagens com seus passados. Nossas escolhas e ações são registradas o tempo todo na internet e por câmeras de seguranças nas ruas. Pode-se viver fora dessa vigilância?

Até determinado ponto, sim. Deve ser uma escolha feita de forma bastante consciente. Se uma pessoa não age para controlar como as mídias digitais estão presentes em sua vida, ela pode ser totalmente dominada. Pois elas são extremamente sedutoras. Afetam a gente da mesma forma que o uísque afeta um alcoólatra. Se você sabe que possui essa fraqueza, e todos nós possuímos, então não tenha muito uísque em casa. Não estou sendo radical e recomendando cortar todas as ligações com a tecnologia. Há várias coisas ótimas que compõem esse universo, mas acho que é melhor ter algumas taças de vinho do que mandar uma garrafa inteira para dentro de uma vez só.

A protagonista tem diferentes perspectivas de sua vida e da História à medida que conhece pessoas. A internet vai ajudar futuras gerações a ter uma perspectiva mais ampla da História?

Pense na Wikipédia, por exemplo. As pessoas a usam como fonte básica de conteúdo. É apenas uma fonte, então você pode pensar: “Bem, no futuro, todos vão concordar muito mais pois há uma referência básica em comum”. Mas, até aqui, apesar de toda a onipresença da mídia digital, tenho a impressão de que as pessoas não estão com opiniões mais unificadas e compartilhando uma mesma percepção da História. Estamos mais divididos. No momento, a internet concentra pontos de vista semelhantes em pequenos grupos. Se você acredita que o homem nunca pisou na Lua e foi tudo conspiração, você vai encontrar várias informações on-line comprovando que você está certo. As pessoas tendem a preferir perspectivas que comprovem informações nas quais já acreditam. E a internet é perfeita para isso. Mas as pessoas também podem ter acesso a informações que vão permitir outro ponto de vista. É difícil prever o que vai acontecer. No fim, talvez o problema seja que os usuários são seres humanos, sempre falhos, apesar da evolução em suas tecnologias.

A quantidade de informação que temos não vai ajudar a esclarecer eventos como os que acontecem, por exemplo, na Faixa de Gaza ou na Ucrânia?

Acho difícil. Mesmo as informações que temos agora dão várias perspectivas. Se você olhar para o conflito entre Israel e Palestina, ninguém concorda em relação ao que está acontecendo. Então, imagine no futuro. É difícil esperar a existência de uma compreensão objetiva de quem estava certo ou errado. A História sempre foi composta por dois lados. De um, os fatos objetivos: o Holocausto aconteceu e o homem foi à Lua. Você encontra evidências para eles. De outro, o lado moral da História, e as pessoas geralmente estão em busca dele, das lições, de quem estava errado ou certo, dos culpados, daqueles que precisam pagar e dos que devem ser beneficiados por ter sofrido. Infelizmente, os motivos fazem com que as pessoas distorçam os fatos. Os seres humanos são tão dispostos a manipular que acho difícil pensar que no futuro será melhor. Temos registros filmados do avião acertando a segunda torre do World Trade Center, e eu garanto para você que muita gente ainda acha aquilo falso. Há quem acredite que os prédios não caíram e foi tudo uma invenção. Se não acreditam hoje, imagina daqui a 50 anos.

O livro também fala da relação com o presente. Como alguns personagens, tendemos a achar o passado melhor. A tecnologia pode combater a nostalgia?

Mesmo antes desse período tecnológico que vivemos, as pessoas sempre tiveram o passado como referência. Mas hoje há uma obsessão com o retrô. Você vê pessoas com estojos de iPad semelhantes a fitas cassete. Acredito que a nostalgia só tende a crescer, pois as mudanças estão tão aceleradas que coisas novas logo parecerão antigas. Por isso acho que haverá uma forma ainda mais intensa, afetuosa e apaixonada de nostalgia. Quanto mais rápido mudarmos, mais nostalgia.

Personagens do livro falam que é melhor viver como observador e não se envolver. Hoje há uma cobrança por posicionamentos e opiniões?

Provavelmente sim, mas talvez no passado apenas não houvesse tantos canais para as pessoas se expressarem. Quando tratamos de egocentrismo, acho que é uma verdade fundamental que a maioria está interessada apenas em si mesma. Acredito que estamos programados a agir dessa forma pois, se não, vamos acabar morrendo. E hoje, pelo menos no Ocidente, a crença na meritocracia nos permite acreditar que qualquer um pode ser bem-sucedido. Isso é um mito, não é todo mundo que consegue ter sucesso, mas a ideia persiste. E, para muitos, a solução é engrandecer a existência escrevendo sobre ela no Facebook ou no Twitter. Ao mesmo tempo, acredito que, lá no coração dessas pessoas, está claro que elas só tem 400 seguidores, enquanto outras têm muito mais.

Seu primeiro livro foi sobre um jornal impresso, e o segundo é sobre livros. Você está registrando a luta pela sobrevivência da mídia impressa?

Sim, pensei nisso (risos). A lógica cultural está mudando e dificultando a existência da mídia impressa. Jornais ainda existem, jornalismo definitivamente continua a existir, e livros e livrarias também. Mas o lugar deles na nossa cultura está mudando. Costumo variar entre o otimismo e o pessimismo. Acho que os livros tendem a sobreviver melhor, pois informações rápidas e triviais são consumidas de forma muito mais rápida pela internet. Em um mundo tão acelerado, com atualizações constantes e coisas apitando e piscando o tempo todo, você consegue se desligar? Talvez os livros continuem importantes, pois nos farão desconectar. A indústria editorial está em busca de formas de sobreviver digitalmente, e muitas entram em choque com a essência do livro. Por exemplo, e-books com links apenas acabam com o efeito que o livro possui. Não há nenhum outro exercício cultural que exija 25 ou mais horas de pura concentração e envolvimento, que demande tanto da sua mente por um período tão longo. Música, filmes e outros podem afetar tanto ou até mais, mas são experiências diferentes. Acho que a profundidade de atenção exigida por um livro é muito significativo e uma alternativa a nosso modo de vida. Mas não sei se isso torna a existência dos livros ainda mais ameaçada ou uma esperança. Só nos resta torcer.

Você também está falando do livro como objeto físico, certo?

Sim. Escrever, para mim, é o reflexo de uma leitura, requer atenção prolongada. Quando escrevo, uso um programa chamado Freedom, que corta a minha internet. Muitos escritores usam. Quando vocês está entediado, a primeira coisa que faz é olhar e-mails ou notícias. Mas os momentos mais criativos são quando você está no ponto de ônibus, sem celular, apenas esperando. Ou quando está lavando a louça. Você processa as informações, fica quase vazio, e as ideias chegam. Esse estado é o primeiro passo para escrever algo interessante. Você ainda não tem uma história, mas está no caminho, entre o tédio e a criatividade. Também é um processo estressante, pois você se pressiona, questiona seu trabalho. É tentador abrir o e-mail, mas você não pode, precisa continuar... Acho incrível a sensação quando ligo o Freedom. O programa me pergunta quanto tempo quero. Geralmente coloco 180 minutos, e ele pergunta: “Tem certeza?”. Sim. Então, experimento uma mudança quase fisiológica: tudo fica mais sereno e me sinto aliviado. Aí produzo bastante, os 180 minutos passam, o programa me avisa, eu nem percebo e sigo trabalhando. Consigo desligar e é maravilhoso.

Fonte: O Globo 

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