Em entrevista, o best-seller fala sobre o seu novo
livro, a parceria com Raul Seixas, religião e misticismo
Por:
Léo Gerchman
Parceiro
musical de Raul Seixas no auge de Raulzito, imortal na Academia Brasileira de
Letras, best-seller mundo afora, desprezado pelos críticos e incensado pelo
público, Paulo Coelho trocou a música pelos livros e não se arrepende.
Idealizador da “sociedade alternativa”, é personalidade polêmica, o que só se
confirma pelo título da mais recente obra, Adultério (Sextante, R$ 24,90, 240
páginas). Nesta entrevista, ele falou sobre a relação com Raul Seixas,
ditadura, processo criativo e sua atual rejeição às drogas. Evitou, ao ser
perguntado, responder sobre as duas experiências homossexuais que teve, a magia
negra, o encontro que um dia disse ter mantido com o diabo e até se ainda
acredita que nasceu “há 10 mil anos atrás e não tem nada neste mundo que não saiba
demais”. Leia a entrevista concedida por e-mail desde Genebra, onde vive:
Em seu novo livro, Adultério, a
polêmica já começa pelo título da obra. Como foi essa discussão e essa decisão?
Eu fiquei um pouco
temeroso com a reação dos leitores ao comprar um livro chamado Adultério. Achei
que talvez eles pudessem relutar diante do título. Mas o que estamos vendo é
que, em menos de uma semana após o lançamento, o livro já está em todas as listas
de mais vendidos do Brasil. Portanto, penso que a coragem de ter mantido o
título que eu achava que seria o mais significativo para ele, foi uma boa
decisão.
Trata-se de um livro que já nasce
traduzido para diversos idiomas. Houve reações ao nome em alguns países?
Sim, em dois países. Nos
Estados Unidos, eles queriam chamar de O Caso, mas, imediatamente, mudaram de
ideia. O mais difícil foi com a Alemanha, que queria também chamar de O Caso (e
o curioso é que uma editora não tem contato com a outra). Eles diziam que
adultério é uma palavra antiga, que ninguém dizia: “Você está cometendo
adultério”. Eu pensei: “Mas, ora bolas, adultério é uma palavra antiga em
qualquer língua”. Como não entendo alemão, fui conversar com gente que entende
a língua. Foi uma discussão muito longa, demorou uns três ou quatro dias e,
finalmente, depois destas conversas, realmente percebemos que, em alemão, a
palavra adultério soa muito mal. Lá, o título será Infidelidade, o mesmo nome
para os países árabes. Com relação ao lançamento em diversos países,
normalmente os meus livros já nascem com contratos assinados nos locais em que
sou publicado. Desta vez, resolvemos lançar tudo no mesmo ano. Então, daqui até
setembro, sai em aproximadamente cem países e nos mais diferentes idiomas. Na
língua espanhola, serão 29 países. Em inglês, em oito ou nove. Em árabe, 10. E
por aí vai.
Como sua mulher aceitou a abordagem
de um assunto tão delicado?
O livro
não é sobre a minha história com a minha mulher. Ela leu e gostou muito. O que
me surpreendeu foi que ela disse: “Você sabe escrever como mulher, sabe ver o
mundo feito uma mulher”. Eu já tinha feito isso em dois livros, Na Margem do
Rio Piedra Eu Sentei e Chorei e Onze Minutos. E, graças a Deus, esse dom
persiste, pois, no fundo, é a mulher quem cria. O ato de criar é sempre um ato
feminino, mesmo que seja um homem escrevendo. Qualquer escritor tem de
desenvolver isso.
No livro, uma mulher vive uma rotina ideal, de
acordo com os nossos padrões sociais. Mas está insatisfeita. A rotina que
vivemos hoje sufoca as pessoas, como sufocava anos atrás, quando os costumes
eram mais rígidos, mas a competitividade e a urgência eram menores.
A gente
romantiza muito o passado. Acho que a rotina sempre sufocou as pessoas, no
presente, no passado e, infelizmente, no futuro. A competitividade e a urgência
eram menores, mas, por outro lado, as pessoas ficavam muito acomodadas. Eu sou
a favor dessa competitividade atual, não no sentido de derrubar o outro a
qualquer preço, a alegria de viver é competir com você mesmo, sempre procurar
ser melhor no que você faz.
A escolha do tema adultério
surgiu de conversas pela internet. Como se deu isso?
Eu vi um filme sobre o Relatório Kinsey, que foi
publicado nos anos 1950, sobre o comportamento sexual das pessoas. E o
interessante deste relatório é que as pessoas leram e pensaram: “Eu não estou
sozinho”. A pessoa que se masturbava e achava que era só ela, as pessoas que
tinham certas preferências e achavam que eram diferentes ficaram aliviadas. Eu
fiquei muito impressionado, o relatório é da época dos meus pais, e pensei qual
tema seria importante abordar hoje em dia em um post no meu blog. Primeiro, pensei
em depressão e fui para a internet saber o que as pessoas pensavam sobre aquele
assunto, mas percebi que as que estavam realmente deprimidas não responderam.
Então, abri uma página no meu blog e tive mais de mil respostas. Pude ver que
as pessoas aliavam um estado de depressão à infelicidade amorosa. Aí, comecei a
entrar em fóruns, ver como as pessoas se comportavam, e o fato é que eu fui,
anonimamente, vendo que as pessoas se deprimiam muito com a infidelidade
amorosa. O tema me seduziu. Deixou de ser um post e virou um livro.
As pessoas estão muito
insatisfeitas com suas vidas cotidianas neste século 21? Por quê?
Acho isso bom, pois, se não estivessem, não
estariam evoluindo. Acho que a insatisfação faz a gente andar para frente.
O movimento da “sociedade
alternativa” ainda é uma resposta a isso?
É uma ideia minha e do Raul que foi ótima nos anos 1970. Mas, hoje em
dia, já é impossível, inclusive de ser colocada em prática, pois, graças à
internet, tudo está muito interligado. Você não pode se afastar de alguma
coisa. Nós somos nós mesmos e nossas circunstâncias, como dizia Ortega y
Gasset.
Adultério é como “É um sapato em
cada pé, É direito de ser ateu, Ou de ter fé” (máxima da sociedade
alternativa)?
O livro não julga o adultério, e isto é importante deixar bem claro. Eu
escrevo ali sobre o adultério, mas de maneira nenhuma tentando julgar os seus
personagens principais. Da mesma maneira que eu não julguei a prostituição em
Onze Minutos. Eu apenas relatei: um escritor é um repórter do seu tempo.
A “sociedade alternativa” surgiu
no início dos anos 1970. A revolução cultural europeia se deu com o marco em
1968. Dá para se dizer que o AI-5, em dezembro de 1968, represou o grito
libertário que se formava e que, no Brasil, ocorreu mais tarde?
Eu participei muito daquilo que nós chamamos de 1968, pois era um hippie
muito doido. Associar o AI-5 ao grito de liberdade que estava se ouvindo
naquele momento não tem nada a ver. O Brasil participou, a reação veio muito
violenta sob a forma do AI-5, mas isso são consequências. O problema seria se
tivéssemos o AI-5 até hoje, aí estaríamos muito mal.
Que tipo de religiosidade o
senhor desenvolve nos dias de hoje?
Sou um católico praticante, mas nem sempre tenho muita paciência para o
que o padre diz no sermão. Eu adoro o rito, acho o ritual o mais perfeito que
existe, da Igreja, da palavra, da celebração. Acho muito importante celebrar,
mas tem coisas de que realmente eu discordo, sobretudo na hora do sermão,
(quando o padre) começa a explicar coisas que são a versão dele.
O senhor acha que, sem o LSD, os
Beatles teriam elaborado e gravado Sgt. Pepper’s?
É óbvio que os Beatles teriam gravado Sgt. Pepper’s sem LSD. Já me
droguei muito, mas fui parando aos poucos. LSD eu acho que tomei a última vez
em 1972, cocaína em 1974 e maconha em 1982. A droga dá uma falsa sensação de
criatividade. Os Beatles devem ter gravado Sgt. Pepper’s totalmente caretas.
Quando você está na droga, você pode dar uma viajada que aquilo é legal, mas,
quando escuta, é diferente. Escrevi muito sob o efeito de drogas e depois,
quando ia ler, achava tudo um horror.
Como foi a reação de Ernesto
Geisel, o presidente militar, em relação à “sociedade alternativa”? É verdade
que ele chamou o senhor e Raul para conversar sobre o tema? Está fazendo exatamente
40 anos que isso ocorreu. Vocês sofreram torturas? E o exílio?
Imagina se o Geisel ia querer conversar comigo e com o Raul! Na verdade
quem foi preso fui eu. O Raul não foi preso, ele foi chamado, e fui com ele
para fazer companhia. Fiquei lá, e ele foi embora. E foi um momento muito
difícil na nossa relação, porque eu me julguei abandonado, o que não é verdade,
todo mundo ali ficava assustado mesmo. Fui torturado, não houve exílio, a gente
se mandou do país porque estávamos com medo. Ninguém nos obrigou a sair do
país. O medo era um terror.
Pesquisa recente do
Latinobarómetro mostra que o catolicismo está em queda na América Latina em
geral e no Brasil em especial. O senhor tem uma explicação para isso?
Realmente acredito que o catolicismo esteja em
queda, e as igrejas evangélicas em alta. O catolicismo se afastou muito no lado
do mistério e se transformou em uma coisa mais técnica, mais burocrática.
Espero que haja uma reversão com o papa Francisco.
A figura de um papa
latino-americano pode ser importante para o catolicismo evoluir nos costumes e
conter a perda de fiéis?
O papa Francisco é um homem que respeita o mistério e a origem do
cristianismo, que é no fundo “amar ao próximo como a si mesmo”.
Como o senhor vê o crescimento
das igrejas evangélicas no Brasil e fora dele?
Não tenho nada contra as igrejas evangélicas. O problema é que algumas
são muito radicais e vêm com essa história de querer assustar todo mundo com o
inferno, em uma interpretação literal da Bíblia, como se Deus tivesse descido e
escrito o livro. Não é isso, a Bíblia foi escrita por homens inspirados por
Deus. O maior problema é a intolerância, o que não é um privilégio dos
evangélicos. É o que ocorre em todas as igrejas, inclusive a católica.
Desde livros como Brida e O Alquimista,
como se deu sua evolução como escritor?
Eu mantenho uma coisa muito importante na minha vida que é ser direto
sem ser superficial. A primeira versão de um livro meu tem muito mais páginas,
mas, quando é publicado, eu já cortei tudo que era excesso, sem perder a
essência. Era meu estilo na música, e é na literatura. Isso atravessa todos os
meus livros.
Que tipo de música o senhor
estaria fazendo hoje em parceria com Raul Seixas?
Eu não estaria hoje fazendo música. Acho que música tem data, as letras
que eu fazia eram sucesso no Brasil inteiro. Parei de compor no momento em que
estava em alta, porque achei que a música era uma coisa da juventude. Eu já
tinha mais de 30 anos e não conseguia acompanhar direito. Achei melhor parar do
que ficar fazendo música por fazer. Você tem de ser honesto com o que você se
propõe a fazer. Se você se propõe a fazer música, enquanto ela reflete sua
alma, está boa, mas depois fazer porque você tem ali uma máquina registradora
na máquina de escrever, isso não está com nada. Parei e não me arrependo. Nunca
mais fiz música, apesar de ter tido grandes propostas de artistas
internacionais, especialmente depois que fui traduzido para outros países e
descobriram que eu fui letrista.
O senhor sente falta de escrever
músicas?
Eu não sinto a menor falta, quando escrevo eu uso muito bem o ritmo, a
simplicidade da letra, que é uma coisa muito difícil. Como eu disse antes, você
tem uma coisa que vai ser repetida muitas vezes, então tem de ter o lado
poético, sem ser um lado barroco e chato, e precisa saber expressar as ideias
em cada linha e cada letra.
Na Academia Brasileira de Letras, o senhor sente preconceito de alguns pares
por ser um autor de sucesso?
Claro que não existe nenhum preconceito, se houvesse preconceito eles
não teriam me elegido.
Que lembranças mais o senhor tem
de Raul? A morte dele alterou sua rota de vida?
Óbvio que o Raul alterou a minha rota de vida. Antes dele, eu achava que
quanto mais complicado melhor, que o ideal de um escritor era ser um gênio
incompreendido. Eu tinha essa síndrome de Van Gogh que todo mundo tem, de achar
que um dia vai morrer e ser reconhecido. O que é uma bobagem, pois estamos aqui
para dividir os sentimentos. E essa é a parte da condição humana. E ele me
ensinou muito isso, a falar de uma maneira clara. Uma virada radical na minha
vida.
Vivemos hoje em um mundo melhor?
O senhor acredita em evolução?
Eu não sei se a gente vive hoje em um mundo melhor, mas certamente em um
mundo mais consciente, graças às comunidades sociais, aos meios de comunicação,
mais participante. Eu não estou falando do “cliqueativismo”, daquela pessoa que
clica em uma petição e acha que vai salvar as crianças em Angola. Mas a gente
tem consciência e se decidir agir, agirá. Ou ficará omisso, mas não vai ficar
omisso alegando que não sabe o que está acontecendo no mundo.
Qual foi o maior erro da sua vida?
Ih, é uma coleção, de modo que eu não saberia dizer qual foi o maior. Eu
errei, erro e errarei. O problema não é errar, mas se deixar paralisar por esse
erro.
Algumas de suas atitudes na
juventude, muitas delas narradas em O Mago (biografia de Paulo Coelho escrita
por Fernando Morais) e extremamente controversas, servem para o senhor hoje orientar
os mais jovens?
Se eu não tivesse passado por tudo isso, não chegaria aonde cheguei. Se
é uma coisa que não existe na minha cabeça é orientar os mais jovens. As
pessoas precisam experimentar suas experiências, sabendo que irão pagar um
preço, mas faz parte da juventude a chama sagrada da loucura, que tem de ser
exercida. As pessoas muitas vezes querem colocar o jovem em uma caixinha
dizendo o que deve ou não fazer. Meu pai também quis fazer isso comigo, e eu me
rebelei. E acho que rebelião é algo sagrado na juventude.
Fonte: Zero Hora
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