Falando pausadamente, arrancando
alternadamente risos e expressões de concordância da plateia, o escritor
anglo-indiano Salman Rushdie fez nesta segunda-feira à noite um lúcido e comovente elogio
da literatura. Rushdie, internacionalmente conhecido por ter sido alvo de uma
sentença de morte proferida por radicais islâmicos nos anos 1980, fez a
palestra de abertura do Fronteiras do
Pensamento no Salão de Atos da UFRGS.
Bem-humorado, Rushdie não demorou a obter
já nas primeiras frases a cumplicidade da audiência ao prometer que, apesar de
estar em um palco, não cantaria:
– Fui convidado para subir ao palco em um
show do U2 certa vez, e meu filho, então adolescente, me pediu: "pai, não
cante, senão vou ter que me matar".
O tema que Rushdie havia preparado para a
conferência, contudo, era bastante sério – embora sua condução da palestra
tenha obtido outras gargalhadas ao longo da noite. Rushdie falou,
particularmente, do papel da literatura em uma realidade na qual os eventos
históricos têm tanto impacto na vida de todos.
– O espaço entre eventos históricos e
vida privada encolheu. No tempo de Jane Austen, a Inglaterra estava engajada em
um conflito contra Napoleão. E isso não aparece nos livros. O exército até
aparece, mas vestindo uniformes galantes e frequentando bailes. Aquele mundo
privado que ela retrata estava tão distante dos grandes eventos da história que
ela não precisava mencioná-los, os assuntos públicos, porque aqueles assuntos
não impactavam a vida dos personagens sobre os quais ela estava escrevendo. Nos
dias de hoje não é assim.
Rushdie reforçou que a literatura, embora
não tenha a rapidez e a celeridade do noticiário cada vez mais presente, ela
apresenta algo em uma profundidade que as notícias não alcançam: a experiência
vivida do mundo.
– Como é a realidade do Afeganistão, da
Coreia do Norte? O romance é capaz de responder perguntas como essas, que
permaneceriam um mistério se só acompanhássemos as notícias.
Rushdie recuperou a história de alguns de
seus livros, do que pensou ao escrevê-los e de como desde os primeiros, e não
apenas em Os Versos Satânicos, houve reações indignadas de autoridades apegadas
a histórias oficiais:
– Em Os Filhos da Meia-Noite mencionei a
guerra de libertação de Bangladesh, na qual o exército do Paquistão matou
grande número de pessoas. E após a guerra, governantes civis e militares
negaram esses crimes, embora as pessoas ainda se lembrassem dele. Desse modo, o
simples ato, por parte daqueles que lembravam daquilo, se tornou político.
O escritor, portanto, é o que corre tal
risco. E de acordo com ele, encerrando em círculo que retornava à ameaça de
morte que sofreu "é parte do trabalho".
O Fronteiras do Pensamento Porto Alegre é
apresentado pela Braskem e tem o patrocínio de Unimed Porto Alegre, Gerdau e
Hospital Mãe de Deus. Parceria acadêmica da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul e parceria cultural de Natura, PUCRS e Celulose Riograndense. Promoção
Grupo RBS.
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