Quando
a editora britânica Chatto & Windus decidiu publicar o primeiro livro de
ficção de Samuel Beckett, em 1933, uma coleção de dez histórias intitulada
“More Pricks Than Kicks”, ela pediu que o autor irlandês escrevesse outra para
fechar a edição com chave de ouro.
Mas
houve um problema. Beckett havia matado o protagonista do livro, um intelectual
de Dublin chamado Belacqua Shuah, em um conto anterior. Logo, ele teve que ser
ressuscitado. Um segundo contratempo surgiu. O editor de Beckett, Charles
Prentice, achou que a nova história do escritor, “Ossos do eco”, não era lá das
melhores.
“É
um pesadelo”, escreveu Prentice para Beckett. Este foi o início de uma das
grandes cartas de rejeição da história da literatura. “(O conto) me dá
calafrios. As pessoas vão ter arrepios. Elas ficarão confusas e perplexas.”
Oito
décadas depois, a Grove, editora que publica a obra de Beckett nos EUA, coloca
“Ossos do eco” nas prateleiras pela primeira vez. É um livro lindo que recebeu
uma ótima edição. As 49 páginas do conto quase se perdem entre prefácio,
introdução, notas, fac-símile do texto original, uma seleção de cartas trocadas
entre Prentice e Beckett, uma bibliografia e 57 páginas de (excelentes)
anotações do editor do livro, Mark Nixon.
Vale
a pena abrir caminho por esta ostra para retirar uma pérola. “Ossos do eco” é
um trabalho relativamente menor, mas é um texto pungente da fase inicial da
carreira de Beckett, escrito enquanto ele ainda estava sob as asas de seu
mentor, James Joyce. Contudo, há um cenário próprio de seu estilo: rude,
surreal, sombrio, sexualmente adormecido, seco feito um osso. Vale ler “More
pricks than kicks” antes, mas a história se sustenta de maneira independente.
Como
uma peça de teatro, “Ossos do eco” apresenta três atos. No primeiro, Belacqua
renasce e se involve com uma prostituta chama Miss Zaborovna Privet. No
segundo, conhecemos um gigante chamado Lorde Gall de Wormwood, cuja mulher é
estéril. (A assistência sexual de Belacqua pode ser utilizada). No último,
Belacqua se senta em sua lápide enquanto vê seu túmulo ser profanado. Estes
elementos não são coerentes; eles não constroem nada; são como escadas que
levam diretamente ao teto. Todavia, os prazeres da história são reais, e
residem na escrita “diabólica” de Beckett.
Não
está claro se o escritor tinha a intenção de publicar o conto algum dia. Ele
teve a oportunidade de inclui-lo em edições posteriores de “More pricks than
kicks”, mas não o fez.
Sorte
nossa que o conto foi finalmente lançado. “Ossos do eco” é um manifesto punk
(Beckett tinha 27 anos quando o escreveu) que comprova a importância que o
autor ainda tem nos dias de hoje.
A
edição brasileira do livro, com tradução de Caetano Galindo, será lançada pela
Globo Livros em setembro.
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