Muitos conheceram o Trapalhão. Mas Antônio Carlos Bernardes
Gomes, ou apenas Mussum (1941-1994), era bem mais do que isso. Ele
foi sambista de sucesso no grupo Os Originais do Samba, comandou a ala das
baianas na Estação Primeira de Mangueira e até serviu a Aeronáutica.
Toda essa história é destrinchada na biografia
Mussum Forévis - Samba, Mé e Trapalhões (LeYa/R$ 49,90/432 págs.), do
jornalista Juliano Barreto, 31. O livro será lançado sábado, no mês de 20 anos
da morte de Mussum, que não resistiu a um transplante de coração, em 29 de
julho de 1994, em São Paulo. Juliano começa passeando pela difícil infância no
Morro da Cachoeirinha, em Lins de Vasconcelos, no Rio. Nessa época, ele comia
restos de comida nas casas nas quais sua mãe trabalhava como doméstica. Depois,
passou maus bocados no rígido internato Fundação Abrigo Cristo Redentor, onde
fez curso de mecânico.
Com o que aprendeu, serviu a Aeronáutica até a paixão pelo
samba e pela Mangueira falar mais alto. O Carlinhos do Reco-Reco, como era
conhecido até então, comandou a ala das baianas e fez sucesso com os grupos Os
Sete Modernos do Samba e Originais do Samba. E era sambista de mão cheia. Fez
parcerias com feras como Elis Regina (1945-1982), Jair Rodrigues (1939-2014) e
Martinho da Vila. Nos 15 discos, gravou nomes como Baden Powell (1937-2000),
Zeca Pagodinho, Adoniran Barbosa (1910-1982), Chico Buarque, Erasmo e
Roberto Carlos; e rodou o mundo, fazendo sucesso principalmente no México.
Internato
“O livro tem algumas curiosidades, como o período que ele estudou num colégio interno rígido. Isso não combina com um cara tão bem humorado como Mussum. Fora esse lado de músico de talento, com carreira de sucesso. O senso comum achava que ele era um humorista que tinha uma banda, mas ele era um músico que relutou muito em ir para a televisão”, pontua o autor Juliano Barreto.
A inspiração para escrever a biografia não poderia vir em local mais apropriado já que Mussum adorava um ‘mé’. “Não foi nobre. Foi num boteco. Até por já ter tomado umas cervejas, lembrei do Mussum. A ideia inicial era reunir apenas histórias dele em contos, mas durante a pesquisa vi que a história de vida dele era muito interessante, muito além da televisão”, conta Juliano.
O jornalista paulista garante que não houve nenhum tipo de
censura da família. “É uma biografia autorizada e a família só vai ler quando o
livro sair. Foi uma imposição pro projeto ser lançado. Portanto não houve
nenhum tipo de censura, nenhuma interferência. Eu que tive de me censurar para
não sair elogios demais”, diz.
Trapalhões O que vem em sequência são os capítulos que devem despertar maior interesse do público: os dedicados aos Trapalhões. Já apelidado de Mussum por Grande Otelo (1915-1993), em referência ao peixe escorregadio, fez sua primeira aparição num programa de humor na Escolinha do Professor Raimundo. “Eu brincava de falar assim enrolado. O Chico Anysio que falou pra mim não Mussum, você deve usar mais ‘tranquilis’, o ‘como de fatis’ e ‘não tem problemis’”, disse Mussum, certa feita, em entrevista a Globo. E essas palavras terminadas em ‘is’ viraram sucesso nos Trapalhões e seguem até hoje como memes na internet. Dedé Santana foi quem convidou Mussum para integrar a trupe, que chegaria a ter 80% da audiência aos domingos.
Mas Mussum resistia à ideia: “Eu não me acho humorista. Humorista é o Jô Soares, Dedé Santana, Zacarias. Eu sou cômico, sou um caricato”. “Não éramos só colegas, mas amigos de verdade. Nós frequentávamos a casa um do outro e conhecíamos toda a família. Ele já era meu amigo antes dos Trapalhões”, conta Dedé.
Medo de cobra
“O Mussum estava sempre alegre, brincando e dando apelido
para as pessoas. Quando me lembro dos apelidos, acho graça até hoje”, diz Dedé,
que conta ainda uma curiosidade sobre o amigo. “Ele não podia gravar com cobra,
tinha pavor. Aí quando tínhamos de gravar com o bicho de qualquer maneira, era
preciso arranjar um dublê ou uma cobra de mentira. Tivemos várias situações em
que ele travou completamente, uma delas foi em Marrocos, nós gravamos
perto de umas najas e ele não queria mais ficar, estava louco para voltar para
o Rio, de tanto medo”, ressalta, entre risos.
O grupo estourou não só na TV, mas também no cinema: bateram
recordes de bilheteria com 28 filmes e são populares até hoje com vídeos no
YouTube. “Eu acho que Os Trapalhões foi uma bênção nas nossas vidas. Eu mesmo
às vezes fico admirado com as pessoas que me abraçam e se emocionam ao me
verem, me param e dizem que são muito fãs até hoje. E o que me admira mais
ainda é que ainda hoje as pessoas acompanham e os filhos, que não eram nascidos
na época, também conhecem o nosso trabalho. Creio que o Didi também se emocione
muito com isso”, afirma Dedé.
Por seus maneirismos, talvez, Mussum é o mais cultuado pelas novas gerações. Ganhou memes nas redes sociais, estampa uma linha de camisetas e virou cerveja Biritis, lançada por Sandro Gomes, um de seus cinco filhos. “O Mussum se encaixou bem no formato da internet, de vídeos curtos e jeito fácil de imitar. Tudo que é fácil tem esse efeito viral”, observa Juliano. O autor acredita que apesar dos tempos politicamente corretos, Mussum ainda teria espaço hoje: “Já havia pressão naquela época. Mas as coisas mudaram e hoje racismo é crime e a sociedade não tolera. Mas ele continuaria engraçado e fazendo piadas no limite”.
Matéria original: Correio 24h
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