quarta-feira, 9 de julho de 2014

O Maravilhoso Agora - Leia o primeiro capítulo

Sutter Kelly é O Cara, o rei das festas. Porém, diferente dos amigos adolescentes, não está preocupado com o futuro, está mais interessado em viver o agora. Com um 7Up batizado nas mãos, ele está pronto para qualquer coisa. Mas nem tudo anda bem para ele. Vive discutindo com a mãe, o pai há anos não dá notícias, e sua namorada Cassidy lhe deu um pé na bunda. Em meio a esse caos, a doce Aimee pode despertar Sutter para outra realidade. E, pela primeira vez, ele tem o poder de fazer a diferença na vida de alguém, ou de arruiná-la para sempre.


CAPÍTULO 1

Bem, são quase dez da manhã, e estou começando a entrar no clima. Em tese, tinha que estar na aula de álgebra II, mas, na verdade, estou dirigindo até a casa de Cassidy, minha namorada gorda e bonita. Ela matou aula para cortar o cabelo e precisa de uma carona até o salão, porque os pais confiscaram as chaves do carro dela. O que não deixa de ser um pouco irônico, considerando que foi castigo por ela ter matado aula comigo na semana passada.

Enfim, tenho uma bela manhã de fevereiro pela frente e estou meio "Quem precisa de álgebra?". E daí se eu tinha que estar dando um gás nas notas antes de me formar, em maio? Não sou desses garotos que já têm tudo planejado para a faculdade desde os 5 anos. Nem sei os prazos de inscrição. Além do mais, não é como se minha educação fosse uma prioridade para meus pais. Eles pararam de tomar conta do meu futuro quando se separaram, e isso foi na Era Pré-Cambriana. Até onde sei, tenho certeza de que uma faculdade pública menor vai me aceitar. E quem disse que preciso de faculdade? Qual é a vantagem?
A beleza está em toda parte. E não é num livro de escola. Nem numa equação. A luz do sol, por exemplo: quente, mas não escaldante. Nem parece inverno. Aliás, igual a janeiro e dezembro. Foi impressionante — este inverno não deve ter tido mais do que uma semana de frio. Cara, esse negócio de aquecimento global é sério. Tipo o verão passado. O verão passado foi peso-pesado. Estou falando de um calor de fritar ovo no asfalto. É como a Cassidy sempre diz: aquecimento global não é para os fracos.

Mas, com esse sol de fevereiro, a luz fica completamente pura e torna as cores do céu, dos galhos nas árvores e dos tijolos das casas de subúrbio tão nítidas que só de olhar é como inspirar ar fresco. As cores entram no seu pulmão, na sua corrente sanguínea. Você é as cores.
Prefiro meu uísque com refrigerante, então encosto o carro numa loja de conveniência para comprar uma garrafa de 7UP daquelas de 2 litros, e nisso vejo um garoto de pé na frente de um orelhão. Um garoto mesmo, uns 6 anos talvez — só de moletom e calça jeans e todo descabelado. Não é um desses meninos arrumadinhos, com roupa de marca e cabelo de artista de TV, como se fossem um gigolô em miniatura. Claro que não teriam a menor ideia do que fazer com uma garota nem se ela viesse numa caixa com instruções na tampa como o Operando ou o Banco Imobiliário, mas eles têm que manter a pose.
De cara, viro para ele e digo:
— Ei, cara, você não tinha que estar no colégio ou algo assim? E ele responde:
— Me dá 1dólar?
—Pra que você precisa de 1 dólar, rapazinho?
— Pra comprar um chocolate pro café da manhã.
E é isso que me chama a atenção. Só uma barra de chocolate para o café da manhã? Meu coração fica todo mole pelo garoto. Ofereço pagar um burrito, e ele topa, desde que também ganhe um chocolate. Quando saímos da loja, dou uma olhada ao redor para avaliar o trânsito com que esse menino vai ter de lidar. Estamos logo ao sul de Oklahoma City — em tese, já é uma cidade completamente diferente, mas do jeito que elas crescem, não dá para saber onde começa uma e onde termina a outra —, então tem muito carro por aqui.

— Olha — falo com ele, que está deixando o ovo pingar no chão. — Esse cruzamento é muito movimentado. O que você acha de pegar uma carona comigo? Assim você não vai ser atropelado por um caminhão e ficar achatado feito um esquilo.

Ele me encara, me avaliando do mesmo jeito que um esquilo talvez fizesse, e decide se entocar de novo. Mas sou um cara que transmite confiança. Também não tenho estilo definido — estou só de calça jeans, tênis velhos e uma camiseta de manga comprida com um Ole! estampado na frente. Meu cabelo castanho é curto demais para precisar ser penteado, e tenho uma brecha entre os dentes da frente que me dão um ar simpático e de bom coração, ou pelo menos é o que dizem. A questão é que não boto medo em ninguém.
Então o garoto resolve arriscar e senta no banco do carona do meu Mitsubishi Lancer. Tenho o carro há um ano, mais ou menos — é prateado com o interior todo em preto, não é novo nem nada, mas é o máximo de um jeito bem básico.

— Meu nome é Sutter Keely — digo a ele. — E o seu?
— Walter — responde ele, com a boca cheia.
Walter. Isso é bom. Nunca conheci um menino chamado Walter. Parece nome de velho, mas acho que você tem que começar em algum lugar.
— Preste atenção, Walter, a primeira coisa que quero que você saiba é que não devia pegar carona com estranhos.
— Eu sei. A Sra. Peckinpaugh ensinou isso quando falou de Estranhos e Perigos.
— Que bom. Tenha isso em mente no futuro.
— É, mas como você sabe quem é estranho?

E isso me deixa sem ação. Como você sabe quem é estranho? Senhoras e senhores, essa é a cabeça de uma criança. Ele não entende que as pessoas podem ser perigosas só porque você ainda não as conhece. Provavelmente tem um monte de imagens sinistras de como um estranho deve ser: chapéu preto e torto, casacão comprido, cicatriz no rosto, unhas longas, dentes afiados. Mas, se você parar para pensar, aos 6 anos nem se conhece tanta gente assim. Deve ser desconcertante ter que suspeitar de 99 por cento da população.
Começo a explicar a ele sobre os estranhos, mas sua capacidade de concentração não é tão boa assim, e ele se distrai me observando colocar uísque na garrafa de 7UP.
— O que é isso? — pergunta.
Respondo que é Seagram's V.O., e então ele quer saber por que estou colocando isso no meu refrigerante.
Olho para ele, e seus olhos grandes e redondos parecem realmente interessados. Ele quer mesmo saber. O que posso fazer? Mentir?

Então explico:
— Bem, porque gosto. É suave. Tem um sabor meio defumado. Costumava beber os bourbons do sul do país. Jim Beam, Jack Daniel's. Mas eles são muito pesados se o que você quer é uma onda tranquila, sem pressa e que dure o dia todo. E, em minha opinião, as pessoas notam no seu hálito com mais facilidade. Cheguei a experimentar o Southern Comfort, mas é doce demais. Não, agora meu lance são os uísques canadenses. Embora eu seja famoso por preparar um martíni excelente.
— O que é um martino? — insiste ele, e resolvo que é hora de encerrar as perguntas, antes que passe a manhã inteira dando aula de bartender para o moleque. É um bom garoto, mas minha namorada está me esperando, e ela não é das pessoas mais pacientes do mundo.
— Olha, não estou com muito tempo. Pra onde você está indo?
Ele coloca o último pedaço de burrito na boca, mastiga e anuncia:
— Flórida.
Não sei as distâncias de cabeça, mas estamos em Oklahoma, então a Flórida fica a uns bons cinco estados, no mínimo. Falo isso para ele, e ele me pede para deixá-lo na saída da cidade, que ele faz o resto sozinho. E está falando sério.
— Estou fugindo de casa — confessa.

Ah, esse garoto só melhora. Fugindo para a Flórida! Dou um gole no uísque com refrigerante e visualizo exatamente o que ele deve ter em mente: um sol enorme e laranja mergulhando no mar mais azul que você já viu, com palmeiras se curvando à sua grandiosidade.
— Olha, Walter. Posso perguntar por que você está fugindo de casa?
Ele fita o painel do carro.
— Porque minha mãe fez meu pai sair de casa, e agora ele está na Flórida.
— Ah, que droga. Sinto muito, cara. Aconteceu a mesma coisa comigo quando era garoto.
— E o que você fez?
— Fiquei puto, acho. Minha mãe não me dizia para onde meu pai tinha se mudado. Não fugi de casa, mas acho que foi mais ou menos na época em que taquei fogo na árvore do quintal. Não me lembro bem por quê. Mas foi uma visão e tanto.
Isso o deixou empolgado.
— Sério, você tacou fogo numa árvore inteira?
— Não vai inventar de me imitar. Você pode se encrencar feio se fizer uma coisa dessas. E você não iria querer deixar os bombeiros com raiva de você, não é?
— Não.
— Então, sobre esse negócio de fugir de casa, entendo perfeitamente. Você iria poder ver seu pai e ainda ter um monte de aventuras e tudo o mais. Nadar no mar. Mas pra falar a verdade, não acho que seja uma boa ideia. A Flórida é muito longe. Se você tentar ir a pé, não vai encontrar uma loja de conveniência em cada esquina. E aí, onde iria arrumar comida?
— Posso caçar.
— É verdade. Você tem uma arma?
— Não.
— Uma faca, um pedaço de pau, um anzol talvez?
— Tenho um taco de beisebol, mas está lá em casa.
— Pois então, você não está preparado. Talvez devesse voltar e pegar o taco de beisebol.
— Mas minha mãe está em casa. Ela acha que estou no colégio.
— Não tem problema. Eu falo com ela. Vou explicar tudo.
— Sério?
— Claro.

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