O título é tão simples quanto deveria ser
o tema: “Garoto encontra garoto”. A história do romance, no entanto, é complexa
como a vida: garoto encontra garoto, garoto se apaixona por garoto, e um
mal-entendido separa um do outro. Em 2003, o romance “Boy meets boy” causou
polêmica quando foi lançado nos Estados Unidos. De autoria do editor de livros
infantis e escritor David Levithan, vendeu milhares de cópias, mas foi
rechaçado pelo público conservador — provando que a linha entre o que deve ser
simples e se torna complexo é mesmo tênue. Ainda assim, só agora, 11 anos
depois, o livro chega ao Brasil, país em que o casamento civil entre homossexuais
é permitido desde 2011 e onde até novela já veiculou cena de beijo entre
personagens do mesmo sexo.
O lançamento do romance de Levithan no
próximo mês, na Bienal de São Paulo, indica uma revolução que vem acontecendo
não só no gênero (chamado por algumas editoras de “young adult”), como no
mercado editorial brasileiro, que tem publicado cada vez mais títulos voltados
ao público entre 12 e 18 anos com personagens ou temas gays. “Garoto encontra
garoto” é lançado na cola do sucesso de “Will & Will” (ambos da Record),
também de autoria de David Levithan, em parceria com o mais novo queridinho do
gênero teen, John Green (autor de “Todo dia”, que também esbarra no tema).
“Will & Will” conta a história de dois jovens que se apaixonam e figura na
lista dos mais vendidos desde abril, com mais de 70 mil exemplares
comercializados. A trama, garante o autor, continua absolutamente atual:
— Quando publiquei “Garoto encontra
garoto”, há 11 anos, havia partes da história que pareciam pura fantasia. Na
trama, cidadãos americanos gays poderiam se casar, e a geração mais nova lidava
tranquilamente com os homossexuais. Se você me dissesse que essas coisas seriam
verdade dez anos depois, eu não teria acreditado. Com certeza, estamos muito
mais próximos hoje da realidade do livro do que em 2003. Ainda temos muito a
percorrer na estrada pela igualdade dos direitos civis, mas, especialmente para
os mais jovens, boa parte do percurso já foi feita — diz Levithan, lembrando
que recebe milhares de e-mails de jovens leitores dizendo que a história de
Paul e Noah os ajudou a entender quem eram.
O clichê é inevitável: a literatura teen
saiu do armário. Se entre as grandes editoras americanas há 135 títulos
tagueados como “gay” e “teen”, de acordo com o site Goodreads, no Brasil já
existem ao menos dez títulos que abordam a homossexualidade entre seus temas
principais (todos lançados de 2012 para cá). Só neste ano, “Garoto...” é o
terceiro lançamento.
Em abril, a Companhia das Letras lançou,
pelo selo jovem Seguinte, o romance “Aristóteles e Dante descobrem os segredos
do universo”, do autor americano Benjamin Alire Sáenz, que conta a história de
dois amigos que descobrem o amor.
Quando publicou a obra, Sáenz fez um
discurso emocionado em que assumiu sua homossexualidade: “Quase não escrevi
esse livro. Minha jornada em busca da aceitação da minha sexualidade tem sido
dolorosa, difícil, complicada e conflituosa. E bastante longa. Como se diz hoje
em dia, eu ‘saí do armário’ aos 54 anos. Estava um pouco atrasado. É justo
dizer que, ao fim dessa jornada, estava ferido”.
Namoro na turma da Luluzinha
Em fevereiro, a editora Autêntica lançou
“Minha metade silenciosa”, do também americano Andrew Smith, em que um dos
personagens principais é homossexual, e seus questionamentos conduzem a trama.
A tendência também pode ser notada nas HQs: no mesmo mês, a edição 57 da HQ
“Luluzinha Teen” incluiu um personagem homossexual na turma da protagonista. Na
história, Edgar é namorado de Fábio, cujos pais não aprovam o namoro.
— A Luluzinha tem por característica ser
a libertária da turma, a líder, uma defensora dos direitos humanos, era natural
que o tema aparecesse nas suas histórias, e que fosse ela a comprar a briga em
defesa do personagem. Não tem como falar para jovens hoje ignorando o assunto —
defende Daniel Stycer, editor da HQ e idealizador do roteiro.
A lista não para por aí: no fim do ano
passado, a Globo Livros lançou “Menino de Ouro”, da escritora inglesa Abigail
Tarttelin, que aborda a sexualidade na adolescência sob o ponto de vista de Max
— melhor aluno da escola, capitão do time de futebol, querido entre os amigos,
ele guarda um segredo: é intersexual, ou seja, possui os conjuntos de
cromossomos feminino e masculino.
Na série da autora best-seller Sara
Shepard, “Pretty little liars”, cujo décimo volume (“Estonteantes”) foi lançado
pela Rocco no mês passado, um romance gay surgiu no oitavo livro (”Perigosas”),
foi assumido no nono (“Traiçoeiras”), e até hoje segue na trama.
Apesar de a lista indicar uma abertura do
mercado brasileiro, ainda são pouquíssimos os autores nacionais que abordam o
tema quando escrevem para jovens — e os títulos que existem estão escondidos em
pequenas editoras, como a paulistana Brejeira Malagueta. Eles têm dois deles no
catálogo: o da blogueira carioca Karina Dias, “Diário de uma garota atrevida”
(2012), que conta a história da primeira experiência homossexual de uma jovem
de 14 anos; e “Depois daquele beijo” (2012), da pernambucana Rafaella Vieira.
Com apresentação de Adriana Falcão, o livro é todo ambientado em Recife, tem
citações a bandas indie e conta a história de duas amigas que descobrem o amor
na escola.
— Achamos muito interessante a forma como
ela retratou a homossexualidade em garotas muito jovens, com pouquíssimos
trauma e problemas. É um retrato animador da nova geração, que já se beneficia
das mudanças sociais estratosféricas ocorridas nos últimos anos — observa a editora
do livro, Laura Bacellar.
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